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Diálogos entre a Organização Indígena e Anarquista

No último dia 30 de novembro, a Biblioteca Terra Livre recebeu o militante e antropólogo Guilherme para discutirmos sobre as diversas facetas do federalismo e os possíveis diálogos entre a forma de organização indígena e anarquista.

A atividade ocorreu no Centro de Cultura Social de São Paulo, numa noite chuvosa, mas bastante proveitosa. O evento contou com a participação de um público bastante participativo e que exigiu do debatedor um aprofundamento bastante profícuo.

Guilherme começou nossa conversa fazendo um resgate das diferentes formas de Federalismo, desde o estadunidense, passando ao brasileiro e chegando ao anarquista e indígena. Para tanto, recorreu a um resgate histórico das formas de implementação de cada um destes, inclusive das diferentes perspectivas acerca da organização.

Para Guilherme, o que distinguiria o federalismo estatal do federalismo anarquista e indígena seria que o estatal, apesar de promover uma descentralização política, não elimina a propriedade privada, elemento fundante da desigualdade social.

Fora a questão econômica, a desigualdade social sendo fruto da propriedade privada, também tem sua origem no racismo, derivado do passado colonial e da escravidão. Resgatando os escritos do geógrafo anarquista Élisée Reclus, Guilherme nos lembrou como o anarquista foi um dos poucos pensadores que abordou tal questão em seus escritos e como que entendeu que as lutas pela libertação foram fundamentais para a formação da resistência nesse território. Reclus nomeou essas lutas de guerras de raças, onde as populações indígena e negra travaram uma guerra contra as elites locais brancas pela sua liberdade, como foi o caso da Cabanagem.

Apesar de pontuar esse aspecto importante de Reclus, Guilherme faz outro apontamento fundamental. Reclus, acreditava que para a diminuição, até mesmo o fim do racismo, a miscigenação das raças seria um elemento substancial para o seu fim. Resgatando a crítica do movimento negro contra a Democracia Racial, Guilherme fez a crítica do anarquista Reclus, mostrando os perigos de tal postura.

Foi debatido também a forma como os anarquistas entendem o Federalismo. Resgatando os pensamento de Pierre Joseph Proudhon, Guilherme nos disse que a proposta de organização federalista anarquista propõe uma descentralização do poder político, portanto, das tomadas de decisões e a mutualidade da economia. Segundo René Berthier em seu livro Do Federalismo, editado pela Editora Imaginário e traduzido por Plínio A.Coelho, devemos entender o mutualismo econômico como a livre associação dos produtores em posse dos meios de produção e que estejam articulados a partir de contratos livremente aceitos e que podem ser revogados a qualquer momento mediante a necessidade das partes envolvidas.

A coesão desses grupos é assegurado pelo autogoverno em mutualidade com outros grupos, de se auto-proteger de elementos externos e da tirania interna, focando em suas necessidades locais.

No nível econômico, o federalismo seria o mesmo que a auto-organização dos produtores ao evitar que ocorra uma nova centralização do poder. Portanto, Estado e auto-organização são elementos antinômicos, onde a descentralização não significa dispersão, muito pelo contrário. Seria um sistema integrado de gestão cujos os fluxos não partem de um centro para a periferia, mas que da periferia se espalhariam e até se encontrar num centro.

Para que a descentralização do poder político seja realizada, seria necessário a centralização da economia, com uma unidade no sistema de pesos e medidas, moeda etc., viabilizando a troca entre as associações de produtores. Porém, nem todas as decisões poderiam ser tomadas a partir das localidades, sendo necessário uma instância superior que possa resolver um dado problema. Para isso, o federalismo proudhoniano parte do princípio da subsidiariedade ascendente, ou seja, quando a base não consegue resolver determinado ponto, tal questão sobe a um nível superior. No entanto, este nível superior está subordinado à base e não o inverso.

Trazendo a forma de organização indígena, Guilherme nos apresentou alguns elementos possíveis de diálogo entre anarquistas e povos indígenas. Primeiro, como os indígenas (no caso o povo xavante, do qual estabeleceu contato direto), rechaça qualquer tipo de autoridade – entendendo o princípio de autoridade na relação de mando e obediência. Para o povo xavante, as lideranças não possuem voz de comando, muito pelo contrário, elas estão subordinadas à coletividade. Não possuem o poder de mando/obediência, e o que é pior, devem ser ainda mais generosas que outros indivíduos do coletivo.

E aqui chegamos num ponto bem interessante. Para o povo xavante, o que separa os seres humanos de outros não-humanos é a generosidade. Por isso, quanto mais poder tiver, mais generoso a liderança deve ser, o que impede a noção de acumulação de riquezas, base da economia capitalista desde de sua fase primitiva. Obviamente que existem vantagens em estar num lugar de liderança tal como a honra, o respeito etc., mas estar nesse lugar também é estar numa posição de poder ser cobrado pela coletividade a todo momento.

Um terceiro aspecto interessante, é de que que todo xavante é também um guerreiro, mas que aprendem a lutar para garantir a sua liberdade. Tal perspectiva é diametralmente oposto a um soldado, que tem como dever obedecer seus superiores. Portanto, o uso da violência está intimamente ligada à noção de auto-defesa pessoal e da comunidade em que faz parte.

Explicando todas essas perspectivas, Guilherme nos alertou que o povo xavante não usam o termo política para designar sua forma de organização social. Se tal termo fosse traduzido para o português, teria mais ou menos o significado de intriga. Política, tal como o “branco” as faz, está impregnada de conflitos e jogos de poder, o que não habita o universo cosmopolítico do povo xavante.

Utilizando o termo cosmopolítica, Guilherme nos explicou como que para os indígenas existem elementos que não transitam numa perspetiva anarquista, por exemplo. Pois o lugar do sagrado é fundamental para entendermos as relações sociais que alicerçam a coletividade. Uma delas seria a figura do “pacificador”, que pode realizar um ritual para o fim de uma guerra ou acalmar os ânimos de uma família quando alguém morre misteriosa, pois sempre existe a dúvida de enfeitiçamento. Neste sentido, os anarquistas tem muito a aprender com os povos indígenas, não no sentido de dar metafísica aos seus argumentos e pensamentos, mas de entender essa dinâmica subjetiva que está para além de nossa capacidade racional de compreensão da totalidade.

A relação entre os movimentos indígena e o anarquista ainda são muito insipientes, quase nulas no Brasil. Mas existem iniciativas muito interessantes na América do Norte, como é o caso da Indigenous Anarchist Federation e que podem entrar em contato pelo Twitter.

Para ter mais informações sobre o tema, podem achar os textos de Guilherme no academia.edu clicando aqui.

204 anos de Proudhon e mutirão de catalogação

Há exatos 204 anos, nascia na cidade de Besançon Pierre-Joseph Proudhon, autor de uma numerosa obra de inestimável contribuição para a filosofia anarquista e federalista.
Como forma de memória e comemoração realizaremos na tarde de hoje mais um mutirão de catalogação, a fim de tornar públicas e acessíveis as demais obras deste e de outros autores que contribuíram para a construção de uma sociedade livre.
A Biblioteca Terra Livre conta atualmente com cerca de 50 livros escritos por ou sobre Proudhon. Estes títulos podem ser conferidos no site do BAU e pessoalmente na Biblioteca.
A catalogação ocorre a partir das 15h, na rua Eng. Francisco Azevedo, 841, sala 4. (5 min. do metrô Vila Madalena)

147 anos da morte de Proudhon

A 147 anos morria Pierre-Joseph Proudhon teórico e pai do anarquismo moderno. Proudhon através de seus escritos influenciou gerações e acendeu a chama da anarquia. Lembrar de seus escritos e de sua fúria contra o Estado é condição necessária à luta do dia-a-dia! “A propriedade é um roubo” e o Estado é o pai de todas as injustiças!

“Ser governado é: ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legisferado, regulamentado, depositado, doutrinado, instituído, controlado, avaliado, apreciado, censurado, comandado por outros que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude.
Ser governado é: ser em cada operação, em cada transação, em cada movimento, notado, registrado, arrolado, tarifado, timbrado, medido, taxado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, estorvado, emendado, endireitado, corrigido.
É, sob pretexto de utilidade pública, e em nome do interesse geral: ser pedido emprestado, adestrado, espoliado, explorado, monopolizado, concussionado, pressionado, mistificado, roubado;
Depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa: reprimido, corrigido, vilipendiado, vexado, perseguido, injuriado, espancado, desarmado, estrangulado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, para não faltar nada, ridicularizado, zombado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis sua justiça, eis sua moral!
E dizer que há entre nós democratas que pretendem que o governo prevaleça; socialistas que sustentam esta ignomínia em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade; proletários que admitem sua candidatura à presidência! Hipocrisia!…”
PROUDHON, Pierre-Joseph. A propriedade é um roubo. L&PM Pocket. Porto Alegre. 2001. 172p. (p. 114-115).

Começa Hoje!

GRUPO DE ESTUDOS ANARQUISMO E EDUCAÇÃO

BIBLIOTECA TERRA LIVRE

Terças-feiras de 15 em 15 dias das 19h as 22h
ATENÇÃO! Limite de vagas: 10 participantes. Inscrições ESGOTADAS!

A proposta de calendário para o Grupo de Estudos é:

16/11Reunião com todos participantes
LEITURAS (coletiva no dia): Prefácio – pgs. 11-14 e Introdução – pgs 15-26

30/11Discussão: Proudhon
LEITURA: Pierre-Joseph Proudhon e a instrução politécnica – pgs. 91-106

14/12Discussão: Bakunin e a Internacional/Comuna de Paris
LEITURAS: Mikhail Bakunin: a educação como paixão e revolta – pgs. 107-136
A Primeira Internacional e a Comuna de Paris – pgs. 161-186

21/12Discussão: Kropotkin e Reclus
LEITURAS: Piotr Kropotkin: educação e comunidade – pgs 137-160
Élisée Reclus: educação e natureza – pgs. 187-230

A proposta do grupo de estudos Anarquismo e Educação é ser um espaço para reflexão e produção de conhecimento sobre pedagogia e práticas educativas numa perspectiva anarquista. Utilizaremos para isso a leitura de textos teóricos (clássicos e contemporâneos), históricos e documentos. Filmes e documentários podem ser bons materiais de apoio para as discussões.

Para iniciar os estudos propomos a leitura do livro de Francesco Codello, “A boa educação”: experiências libertárias e teorias anarquistas na Europa, de Godwin a Neill, Vol. 1, São Paulo, Imaginário, 2007. Ver:

Acreditamos que esse é o melhor e mais completo estudo sobre as bases educativas do pensamento e dos pensadores anarquistas.

Esta obra apresenta uma teoria pedagógica e um movimento educativo quase desconhecidos do grande público. Pensamento anarquista e práticas educativas libertárias, ao contrário do que se pode pensar, não existiram apenas no passado, mas representam ainda hoje uma realidade que, ainda que não seja muito difundida, constitui uma importante contribuição para o processo de emancipação humana. Originalidade e especificidade, inovação verdadeira e intuições antecipadoras estão aqui ilustradas, analisadas e colocadas em uma dimensão histórica que parte do fim de 1700 e desenvolve-se até a primeira metade de 1900, interessando a diversos países europeus. A “pedagogia” libertária emerge, caso a caso, em pensadores e educadores, que estão quase sempre inseridos em um movimento revolucionário, protagonista de extraordinários eventos históricos: da Primeira Internacional à Comuna de Paris; do nascimento e do desenvolvimento das organizações anarco-sindicalistas às grandes mobilizações de massa nos diversos países europeus; da Revolução Russa à Espanhola, de 1936 a 1939; dos anos agitados do primeiro conflito mundial aos que precedem o nascimento do fascismo e do nazismo. Nesse quadro, a educação assume, para os libertários, uma importância decisiva, sobretudo por meio de iniciativas de instrução popular e de educação revolucionária, dedicadas à formação de um novo modelo de homem. Ao mesmo tempo, a crítica lúcida e pertinente dos vários sistemas escolares não é suficiente para explicar o empenho desses educadores, os quais, com freqüência, realizam, de modo concreto, iluminantes experiências educativas alternativas. Essa linha de desenvolvimento educacionista do movimento anarquista e libertário de derivação iluminista-individualista e/ou socialista, ao destacar tanto a centralidade do indivíduo e a sua diversidade quanto o papel fundamental do coletivo no processo formativo, contribui para delinear uma extraordinária ação e um pensamento original que tem ainda muito para ensinar.

Segundo Giampreto Berti: “O trabalho de Codello é, sem dúvida, o mais importante e mais completo que a historiografia sobre o educacionismo anarquista e libertário possa, até este momento, mostrar com orgulho, tanto em nível italiano quanto internacional. Em sentido mais geral, esta obra assinala um grande resultado da historiografia sobre o anarquismo, premiando, de forma justa, um trabalho de anos de pesquisa e reflexão.”

O livro pode ser adquirido com desconto de 50% pelos participantes do Grupo de Estudos no dia da primeira reunião.

Pretende-se ler os capítulos do livro que ajudam a refletir sobre o papel da educação no pensamento dos autores clássicos do anarquismo: Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Réclus.

O Grupo de Estudos retomará os encontros em meados de janeiro/fevereiro de 2011.

LOCAL: Sede da Biblioteca Terra Livre
Rua Engenheiro Francisco Azevedo, 841 – sala 07
São Paulo – 05030-010
Travessa entre a Rua Heitor Penteado e Av. Pompéia.
A duas quadras do metrô Vila Madalena.