Nossas lembranças aos que se foram

No contexto sombrio que vivemos, onde a resistência não é uma questão de opção, é com muito pesar que recebemos a notícia da perda de dois companheiros de caminhada: Pepe Carballa e Eduardo Colombo. Apesar da dificuldade em articular as palavras no momento de despedida, em homenagem aos dois companheiros relembraremos brevemente suas trajetórias.

Pepe (à dir.) na III Feira Anarquista de São Paulo, em 2012

José Carballa, conhecido como Pepe, nasceu na Espanha e se radicou no Uruguai quando criança. Sofreu na pele a repressão política do país da década de 70, quando era estudante do Instituto de Enseñanza de la Construcción (IEC) e foi preso. Pepe participou, junto com outros oito presos políticos, de uma greve de fome nas vésperas das eleições nacionais de 1971, para denunciar os maus tratos que sofriam. Nas últimas décadas, ele foi o principal animador do Ateneo Heber Nieto (batizado em homenagem ao colega de Pepe no IEC assassinado pelo esquadrão da morte) e da Editora Alter, ambos de Montevidéu. Tivemos a alegria de recepcioná-lo e compartilharmos ideias e impressões sobre a situação política nas feiras anarquistas de 2012 e 2015.

Eduardo Colombo (2ª pessoa, da esquerda para a direita), em debate no Espaço Impróprio (São Paulo), em 2004

O companheiro Eduardo Colombo viveu dividido nos dois lados do Atlântico: na Argentina, sua terra natal, e na França, lar escolhido para viver seu exílio após a ditadura militar instaurada no seu país nos anos 1960. Na Argentina, Colombo fez parte da Federación Obrera Regional Argentina (FORA) e foi editor do jornal La Protesta, o periódico mais importante do anarquismo latinoamericano. Na França, escreveu seus trabalhos, tornando-se o principal teórico anarquista da segunda metade do século XX. Foi um dos fundadores e editores da revista Réfractions, dedicada ao pensamento libertário. Colombo veio ao Brasil em 2004, quando participou do Colóquio Internacional Movimento Operário Revolucionário, organizado pela Editora Imaginário e pelo, então, Coletivo Anarquista Terra Livre. Nos últimos anos, ele foi o principal colaborador da Revista da Biblioteca Terra Livre, onde pode-se ler em cada número um texto de sua autoria.

Aos que se foram, nossas lembranças, respeito e agradecimentos. Aos que permanecem, é preciso reunir forças entre nós para vencermos a tormenta. Nessa jornada, seguimos na companhia dos nossos companheiros. Em cada movimento que fazemos, estamos juntos com Pepe e Colombo.

 

Boas Festas – Isabel Cerruti

O natal é uma data que evidencia ainda mais a desigualdade social: poucos tem muito, muitos tem nada. Assim recordamos o artigo da anarquista brasileira Isabel Cerruti, escrito em 26 de dezembro de 1933 e publicado em A Plebe, que nos convida a refletir sobre o tema.

Que um dia os produtos do trabalho sejam repartidos de igual modo entre todos.

Biblioteca Terra Livre

Boas Festas

Resido no centro da cidade. E quem reside no centro da cidade, mais do que quem reside nos bairros, é que vê, em abundância, a dolorosa miséria dos deserdados de tudo, na sociedade presente.

Como não havia nada a fazer estive à janela a tarde do dia de natal. Via passar crianças alegres, cada qual exibindo os presentes de papai Noel… Crianças felizes, cujos pais ganham salários suficientes para honrar botar o tal papai Noel. Em outras, quiçá, cujos pais fizeram, talvez, sacrifícios para presentearem os filhinhos diletos, e vê-los sorrir ditosos, ao menos uma vez por ano, nesta data alvissareira, crentes de que “nem só de pão vive o homem…”

E é bem certo esse adágio. Como o nosso coração de idealista se expande na solidariedade dessa felicidade infantil! Pois bem nos lembramos, também, de quando éramos pequeninos, e a lembrança, somos gratos aos nossos queridos pais, quando nos faziam felizes presenteando-nos com um brinquedinho…

Da minha janela, absorvida nesses pensamentos, além de crianças e pessoas felizes, eu via passar, também, velhos maltrapilhos e crianças imundas, dessas para as quais o Natal nunca sorri, nem o papai Noel nunca se lembra. Pobres infelizes deserdados de tudo…

Duma casa, vizinha à minha, feliz, onde a criançada folgava à roda de espalhafatosa árvore de Natal, gozando os mais lindos e custosos presentes e saboreando as mais apetitosa as guloseimas, saiu correndo para a rua, a gozar um pouco de liberdade, aproveitando-se da distração dos donos, um lindo cachorrinho Lulu, trazendo à boca uma grande fatia de saboroso bolo de natal. Mas, por sinal, o animalzinho de estimação já estava farto demais, pois apenas chegado no passeio largou no chão a fatia de bolo, apenas mordidas numa pontinha.

Pensei comigo mesma: quantos lares sem pão, e quantas crianças, haverá hoje, que se sentiriam felizes com essa fatia de bolo que esse irracional bem tratado desprezou no meio da rua.

Nem bem concluir meu pensamento e vejo surgir dois garotos de uns sete a oito anos, um, e de dez a doze anos outro, trazendo ambos à tira colo, a caixinha de engraxates, sujos, maltrapilhos e mal nutridos.

Ao avistarem a fatia de bolo atirado no solo, atiraram-se ao mesmo avidamente, disputando-o. Afinal, de bom acordo, resolveram reparti-lo e lá se foram a caminho, juntos os dois, alegres pelo achado, comendo sofregamente aquela fatia de bolo amarelinha e sedutora, que um cãozinho de estimação havia largado no chão, farto de alimento e de gulodices.

A vista dessas coisas conjecturei comigo mesma: para que servirá a “Cruzada pró Infância” a “Liga das Senhoras Católicas” e outras instituições, quejandas que se propõem, todas elas, a proteger a infância e a defender-lhe o direito?…

Qual! O problema da miséria é insolúvel dentro da sociedade burguesa. Só mesmo quando os miseráveis se decidirem fazer justiça por suas mãos, estabelecendo o direito de todos trabalhar e gozar à farta o produto do trabalho -; teto, alimentação e roupa – do bom e do melhor para todos, é que a infância será de fato garantida em seus direitos: instrução, alimentação, folguedos, gulodices e brinquedos, para todos sem distinção.

Isa Ruti

São Paulo, 26/12/1933

Agenda 2018

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Revista Mujeres Libres

A revista Mujeres Libres foi uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento do trabalho formativo, propositivo e organizativo do movimento Mujeres Libres. Destacamos a originalidade dos conteúdos abordados e sua qualidade estética – capas, diagramação e ilustrações. Ao todo foram publicados 13 números entre o primeiro de maio de 1936 até o último, no outono de 1938.

As revistas podem ser acessadas na íntegra, basta clicar na capa de cada uma das edições para visualizar o pdf.

A digitalização que agora disponibilizamos foi realizada pela CGT por ocasião dos 80 anos da fundação da Federación Mujeres Libres.

Para aquelas que tiverem interesse em conhecer mais sobre as Mujeres Libres, em 2012 foi realizado o documentário Indomáveis, uma história de Mujeres Libres, que foi legendado pela Biblioteca Terra Livre.

A Biblioteca Terra Livre ainda publicou dois livros dedicados as Mujeres Libres. Mais informações sobre os livros em:

MUJERES LIBRES DA ESPANHA: Documentos da Revolução Espanhola
Margareth Rago & Maria Clara Biajoli
https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/editora/mujeres-libres-da-espanha/

A QUESTÃO FEMININA EM NOSSOS MEIOS
Lucía Sánchez Saornil
https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/editora/a-questao-feminina-em-nossos-meios/

Ação Coletiva. Nº3

 

A terceira edição do jornal Ação Coletiva (download da versão online) – publicação feita em parceria pelos coletivos Ativismo ABC, Biblioteca Carlo Aldegheri, Biblioteca Terra Livre e Centro de Cultura Social- discute os temas da precarização do trabalho imposta pela economia neoliberal, os cem anos da Greve de 1917 (e o apagamento da participação anarquista deste e outros processos históricos), a necessidade de incluir a interseccionalidade em nossas práticas cotidianas e finaliza com uma reflexão libertária a respeito do
voto crítico.

Todos os textos se articulam em torno da recusa ao Estado e ao capital e da necessidade de fortalecer nossas redes de apoio mútuo para continuar resistindo. Neste contexto é importante frisar a importância da preservação de memória da luta dos trabalhadores neste momento em que o capitalismo ultraliberal se reconfigura em novas formas de exploração. Ao apresentar-se como uma inovação, a chamada economia compartilhada permanece controlada por grandes empresas, com o lucro expropriado dos trabalhadores permanecendo concentrado nas mãos de poucos.

De modo semelhante, é preciso estar atento para a polarização da política institucional que tenta novamente nos empurrar para a cilada do voto útil, como se a política se restringisse ao Estado. De deu um lado a direita tende a rotular de comunista/petralha quem que se opõe aos processos de liberalização econômica, se levanta contra o preconceito, a intolerância e os micro-fascismos cotidianos. Do outro, a esquerda partidarizada tenta, de forma chantagista, responsabilizar os anarquistas e pessoas que se recusam a participar da política institucional pelas mazelas decorrentes das alianças que esta própria esquerda fez em
nome de seu projeto de poder.

É preciso, pois, estar atento para o fato de que os avanços sociais obtidos por governos que se dizem representantes dos trabalhadores só ocorreram por conta das alianças com o grande capital. Votar no menos pior sempre será votar em quem tem o apoio dos grandes empresários para financiar suas campanhas. O preço desse investimento dos empresários é pago com as reformas que tendem a assegurar o lucro dos ricos, tornando ainda mais precária as condições de vida da população.

O que nos difere da esquerda tradicional que tem o Estado como objetivo é não se deixar iludir por uma promessa de transformação imposta por governos necessariamente atrelados aos interesses do grande capital. Cabe a nós fortalecer as redes de solidariedade tendo em mente que a transformação social acontece de dentro para fora – dentro de nossa casa, nosso bairro, nossa cidade. A construção de uma vida libertária começa em nós mesmos e em nossos pequenos círculos para se expandir de forma orgânica para espaços mais amplos. Que todos nós estejamos atentos para essas questões e tenhamos forças para permanecer na luta.