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A mulher é uma degenerada no Correio Paulistano

No dia 11 de novembro de 1924 o jornal Correio Paulistano publicou em sua coluna Livros novos, uma carta de Alfredo Palacios (1878-1965), advogado, professor e militante socialista, em que o pensador argentino reflete sobre a importância da publicação da obra de Maria Lacerda de Moura naquele contexto.

Transcrevemos e traduzimos a coluna e a carta abaixo:

LIVROS NOVOS

“A mulher é uma degenerada” – D. Maria Lacerda de Moura

A propósito do livro “A mulher é uma degenerada”, a que já nos referimos nesta seção, o sr. Alfredo Palacios, decano da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de La Plata, enviou a ilustre escritora patrícia d. Maria Lacerda de Moura, autora daquela obra, a seguinte carta:

“La Plata, 29 de outubro de 1924 – Sra. d. Maria Lacerda de Moura – São Paulo – Brasil.

Senhora: Com satisfação li sua obra ‘A mulher é uma degenerada’, na qual alenta um coração apaixonado, aceso em ânsia de justiça e uma inteligência vigorosa, cheia de verdades e inflamada de idealismo.

É um prazer para mim declarar que seu livro constitui, um dos mais sinceros, viris e de maior amplitude espiritual que foi publicado em nossa América nos últimos tempos. A seleta e variada cultura, a solidez de caráter e elevação de olhares que evidencia sua obra são, por si mesmas, a melhor demonstração da tese por você defendida e a refutação mais eficaz da pretendida inferioridade mental da mulher.

Há nesse livro toda a integridade de convicções e ductilidade intelectual que como brasão pode ostentar quem mais digno se julgue do nome de varão.

Se eu não estivesse convencido de que a inferioridade da mulher é uma lenda tão farsa e interessada como a da inferioridade orgânica dos deserdados, haveria me conquistado sua obra e essa doutrina. Já quiseram muitos homens, mesmo aqueles que se destacam entre os intelectuais, poder se expressar com a inteireza e o fogo, a sabedoria e a elegância com que você o faz. Seu livro é um raio de flechas contra o privilégio e a mentira entrelaçado com rosas de graça e de beleza.

O rugido, indignado clamor das ideias modernas circula através de todas suas páginas e ressoa como uma guerreira clarificando contra todas as manchas dos flagelos e preconceitos que assombram a vida. Ondas de chamas de entusiasmo idealista elevam-se de sua prosa projetando a vivida claridade das auroras futuras. Um ímpeto cordial, nascido de uma consciência sem censura e de profundo amor com as vítimas da injustiça social, presta suas páginas a eloquência de uma tocha flamejante no meio da noite. E a riqueza de seu pensamento, penetrando em todo os interstícios do rachado edifício que é a sociedade atual, mostra a mentira poliforme que nos envenena e abre amplos horizontes ao porvir humano pela dignificação da mulher, o enobrecimento do trabalho e a liberação do homem.

Seu livro é fonte de doçura e de esperança para os humildes e acusação implacável e fecunda contra os poderosos. É uma força incoercível do pensamento posta a serviço do Bem e da Verdade.

Que encontrem ressonância suas palavras entre as mulheres e os homens brasileiros, para que comecemos a forjar a nova civilização que se vislumbra já na consciência nascente da América ibera, é o que desejo fervorosamente.

Saúde a você, com a maior consideração e com a estima de um companheiro de ideal. – Alfredo Palacios”.