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Fronteira #12 com Manuel Carballa

Neste décimo segundo episódio do Fronteira recebemos Manuel Carballa para conversar sobre os impactos da Covid-19. Neste ep Manuel, companheiro da Alter ediciones, aborda os impactos políticos, sanitários e econômicos do coronavírus em território uruguaio, destacando a violência policial nos bairros periféricos de Montevidéu e a rápida precarização das condições de trabalhadores. Não fosse suficiente a crise material, a sociedade uruguaia tem vivenciado um enorme fluxo de teorias da conspiração e fake news que mobilizam o debate público. Contudo, para além das violências cotidianas, diferentes estratégias de solidariedade tem surgido contrapondo a lógica da barbárie. O Fronteira é aperiódico, e existe enquanto enfrentarmos os efeitos sociais e políticos da Covid-19.

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Abaixo a transcrição e tradução da fala de Manuel Carballa:

Olá, como estão?

Vou contar um pouco da situação que estamos vivendo com o coronavírus aqui no Uruguai. No Uruguai o coronavírus chegou nos primeiros dias de março, chegou da Europa acompanhando as classes média e alta de suas viagens de prazer e negócios.

Em 13 de março, segundo dados oficiais, foram confirmados os primeiros casos e a partir daí começaram a se espalhar pelo resto do território. Desde que a emergência de saúde foi declarada, morreram 4 pessoas de Covid-19 e em pouco mais de 20 dias atingimos cerca de 400 infectados, distribuídos em 12 dos 19 departamento do Uruguai, sendo que Montevidéu é o departamento com a maior quantidade de casos. Se prevê que em meados de maio atingiremos o pico de infectados e especula-se que o inverno será difícil.

O governo declarou quarentena, embora no momento não seja uma quarentena obrigatória. Para controlar isso, a polícia realiza patrulhas terrestres e aéreas, pedindo para as pessoas reduzirem a circulação nas ruas e evitarem a aglomeração de pessoas. Dependendo dos bairros, as patrulhas e os pedidos são feitos com um megafone, isso acontece nos bairros costeiros, que são os residenciais e das classes média e alta, ou esses pedidos e as patrulhas, são feitos com perseguições de moto e cassetetes na mão, nos bairros populares.

A quarentena e o confinamento é algo que apenas as classes média e alta podem garantir. Embora muito menos do que em outros países da América Latina, uma boa parte das classes populares no Uruguai também carece de saneamento, água potável, carecem de espaço real para estar confinados e muito menos recursos e espaço para a compra massiva e armazenamento de alimentos, e produtos de necessidades básicas, como todos necessitam.

Um vez que vírus se espalhe, se não for contido adequadamente, os efeitos sobre a saúde desses setores serão, sem dúvidas, os mais preocupantes.

As fronteiras atualmente estão fechadas. As que compartilhamos com o Brasil foram as últimas devido às dificuldades de controle que tem uma fronteira terrestre muito grande.

Desde que a emergência de saúde foi decretada, os centros educacionais foram fechados, sem data clara para o retorno às aulas. A educação é claramente afetada e os professores improvisam o que podem, e como podem, com educação a distância. No nível superior, a Universidade da República fechou as portas durante todo o primeiro semestre e os cursos não poderão ser presenciais. Igualmente, nos outros centros de estudos, a universidade e os docentes, estão improvisando com educação a distância.

A exigência de não circular pelas ruas ataca fortemente a população que vive da informalidade. Isso está acontecendo aqui, como em todo a América Latina. Esta crise também tem um forte impacto nas questões trabalhistas e está afetando cada vez mais setores. Em nosso caso, uma faixa cada vez maior de trabalhadores está sendo enviada para o seguro-desemprego. Para que tenham uma ideia, apenas nos primeiros três dias de abril, cerca de 20.000 pedidos de amparo para os trabalhadores sem seguros.

Um exemplo do conflito entre quarentena e trabalho, dentre os muitos que poderiam enumerar, é claramente expresso com as famílias de pescadores artesanais localizados no interior do país, que o governo não está permitindo que saiam para pescar, e eles dependem totalmente dessa atividade para viver e levar o dia a dia.

O governo está implementando um fundo para avaliar as diferentes situações e responder aos efeitos da crise produzida pelo coronavírus. Parte deste fundo é formado de uma porcentagem da renda de funcionários públicos com salários mais altos. Esta medida que afeta cargos políticos de confiança de assessoria também envolve outros trabalhadores e representantes sindicais. Justamente, alguns destes últimos, que desfrutam de salários 11 vezes superiores ao salário mínimo nacional, se opuseram à medida, que, de qualquer forma, será implementada nestes dias.

Obviamente, a dimensão da crise social e econômica que a pandemia nos deixará ainda não está clara e as consequências que estas deixarão talvez sejam muito mais importantes do que aquelas que deixará o problema de saúde.

Nesse período, surgiram várias expressões de solidariedade diante da situação, temos comedores populares nos bairros, alguns bares que se organizam com seus trabalhadores para oferecer pratos de comida à população mais vulnerável, algumas lojas e livrarias que oferecem apoios semelhantes. Também mães e pais de escolas de período integral se organizam para garantir um prato de comida, que antes era oferecido pela própria escola e, também, organizações sociais que coletam doações de vários tipos para distribuir às populações mais vulneráveis.

Apesar de que, já começou a acontecer que algumas destas ações solidárias, justamente os comedores populares, começaram a receberam desaprovação do governo, devido aos riscos à saúde, por conta do acúmulo de pessoas.

Por outro lado, o confinamento está agravando a situação de violência doméstica e, nessa situação, já foram registradas muitas denúncias. E também são as mulheres que, na maioria dos casos, encontram no confinamento maior vulnerabilidade e exposição a essas situações de violência.

Por outro lado, de diferentes setores, se começam a escutar exigências ao governo para que este forneça informações mais detalhadas e que divulgue, todos os dias, sobre o que está acontecendo.

Junto a isso, o que tem se visto é fluxo de desinformação que cresce dia a dia, a quantidade de notícias falsas é cada vez maior, e um pouco também por este motivo, cresce a confusão e o medo. A população, em geral, é perturbada, confusa, cética, entediada, raivosa, faminta, violenta, frustrada, ansiosa e oprimida.

Esta rede crescente de desinformação que inunda as redes sociais digitais consegue confunde ainda mais esta situação. E, por outro lado, tem um conjunto cada vez maior de pessoas precisa acreditar em teorias da conspiração para explicar os fenômenos com os quais estamos lidando, da mesma forma que precisávamos explicar nos tempos antigos relâmpagos e tempestades como expressões dos deuses, agora temos a necessidade de justificar esses fenômenos como resultado de conspirações. Parecem que estamos constituindo a nova religião politeísta da modernidade.

Enfim, é uma situação de crise de saúde, econômica, social e ecológica de muita complexidade e com muitas incertezas, mas também devemos assumir que a responsabilidade de cuidar de si tem um senso de solidariedade social.

Um dos efeitos principais do coronavírus é a paralisia dos vínculos. A consequência dessa pandemia parece ser a sociedade atomizada. Portanto, a luta que travaremos residirá em transformar as consequências dessa atomização; como poderemos transformar esta paralisia em lentidão; como oferecer soluções de decrescimento contra o mito do progresso e de vida mediada pela tecnologia; como transformar o confinamento em espaço-tempo de reflexão criativa; nesta quarentena que se realizam cuidados conscientes e solidários; à diminuição do consumo em benefício ecológico e diminuição consciente do consumo.

Se essa sociedade atomizada, que nos é apresentada por medidas de isolamento, se instalar como o modo de vida saudável, será mais difícil afrontar e enfrentar o ajuste econômico, que cairá, cedo ou tarde, sobre os setores populares.

Não teremos, portanto, a capacidade de fazer ouvir nossas vozes, mesmo se nos oferecerem ferramentas digitais para simular que estamos conectados, mas socialmente distantes.

O desafio que temos, nesta crise, é como fortalecer os laços solidários, como construir estas novas resistências, como cuidar-nos coletivamente e ter em mente que não devemos confundir a repressão e a violência dos Estados com os cuidados com a saúde.

Lhes dou um grande abraço.

Saúde.

 

 

Antinomia #26: A crise como oportunidade para quem?

Cada dia que passa, percebe-se que a pandemia e a necessária quarentena tem servido para aprofundar os ataques aos direitos dos trabalhadores. Sob a cínica frase “A crise é uma oportunidade”, esconde-se o lado perverso do capital, que não se importa que ocorra um genocídio, desde que as taxas de lucro estejam garantidas. Para conversar sobre esse tema, contamos com a participação do Suna, apresentador do Desobediência Sonora (programa que também faz parte da Antena Zero), membro da OASL e diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo, o SINTUSP.

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Fronteira #10 com Slavia Maggio

Neste décimo episódio do Fronteira recebemos Slavia Maggio para conversar sobre os impactos da Covid-19. Neste ep Slavia, companheira da editorial Eleuterio, aborda as ações nefastas praticadas no território chileno pelo governo de Piñera em conjunto com a classe empresarial. As medidas políticas de precificar a saúde e transformar esta em um bem escasso, bem como os ataques aos trabalhadores, com a suspensão do pagamento dos salários, demonstram o desprezo e ódio que a elite chilena tem pelo povo daquele território. O Fronteira é aperiódico, e existe enquanto enfrentarmos os efeitos sociais e políticos do Covid-19.

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Abaixo a transcrição e tradução da fala de Slavia Maggio:

Boa tarde amigos do Antinomia e Biblioteca Terra Livre.

Quem fala é Slavia, desde o Chile para contar a situação que a um mês nos encontramos desde que a epidemia se estendeu por este território.

A situação local não é muito distinta da do Brasil, já que ambos governos tiveram a mesma atitude em negar o que ocorre e priorizar os interesses dos empresários, ao invés de se preocupar com a vida das pessoas.

Aqui, desde o início, não houve nenhuma medida de controle sobre o ricos, que trouxeram o vírus de suas viagens para o exterior e os propagaram desde os bairros altos ao resto da cidade.

Em 18 de março, quando já haviam, mais ou menos, 250 pessoas contagiadas, foi declarado um estado de exceção constitucional, uma medida que na realidade não teve muito sentido, já que não decretou uma quarentena para toda a população, mas apenas para os bairros do centro de Santiago e nos bairros das classes altas.

Contudo, este estado de exceção foi a antessala, para que quatro dias depois, fosse anunciado um novo toque de recolher. Lembremos que como resposta aos revoltas sociais de outubro, do dia 18 de outubro passado, a primeira medida de Piñera foi estabelecer o toque de recolher, onde os militares saíram às ruas, e cometeram uma série de abusos que, inclusive, significaram a morte de várias pessoas, em circunstâncias muito estranhas, como pessoas baleadas que apareceram em supermercados queimados, entre outros casos, que até o dia de hoje, seguem em completa impunidade.

Por isso que a medida repressiva faz sentido em meio a uma crise sanitária, pois o único que interessa a classe política é manter o controle mediante ao amedrontamento da população. O toque de recolher ainda permanece vigente.

Em respeito a saúde, o custo do exame de detecção da doença foi o primeiro a ganhou um preço quando começaram a chegar os primeiros casos. Em nenhum momento se considerou que deveria ser gratuito e massivo, assim, qualquer pessoa que acha que pode estar contagiada tem que pagar tanto o teste como a consulta de urgência. Que o exame seja pago, é o reflexo da desigualdade ao acesso de um direito básico, como a saúde, e a isso temos que acrescentar que o resultado dos testes estão demorando, em alguns casos, mais de cinco dias.

O que demonstra o colapso que está se produzindo no sistema de saúde, onde, inclusive pessoas que já morreram e que logo depois de seu falecimento foi realizado o teste, assim, não podemos confiar nas cifras que está informando o governo.

Além disso, o governo está fazendo desta pandemia um negócio, deixando em evidência o profundo nexo que existe entre o empresariado e o governo, o qual fica explicito com a decisão de alugar um espaço privado, chamado espaço Riesco, que é utilizado para eventos internacionais de grande porte. Este espaço, que poderia ter sido colocado a disposição para as pessoas sem nenhum custo, vai ser alugado pelo estado diariamente, por uma quantia que é incompreensível, se pensamos na falta de insumos que existe nos hospitais e no sistema público de saúde no Chile. Que, em meio a uma emergência, se destine recursos públicos a uma família de elite, dona deste espaço, comprova qual é a prioridade do governo.

Como este, são vários os exemplos que se podem dar.

Esta perspectiva empresarial também vai ficar clara, quando um dos empresários que gere os fundos de aposentadorias, entre outros dos negócios que tem, disse em uma entrevistas abro aspas : “Não podemos seguir parando a economia, devemos assumir o risco e isso significa que vai morrer gente.”

Isto explica que até o dia de hoje, apesar de haver 94 mortos, o que é um número alto, se consideramos que a população é de somente 18 milhões de habitantes, e que as cifras, apesar de estarem aumentando, a classe política decidiu que não haverá quarentena total, e que inclusive estão retirando as quarentenas nos territórios. Então já se estabeleceu que as pessoas na verdade não tem maior importância.

Outro tema que também está complicado é a situação trabalhista, porque o Ministério do Trabalho estabeleceu uma norma, sob o nome de Lei de Proteção do Emprego, no qual permite que os empregadores suspenda o pagamento dos salários dos trabalhadores pelos meses em que durar a crise sanitária, sem com isso terminar os contratos trabalhistas. Em alguns casos as pessoas podem ficar 3 meses sem receber salários. Isto permitiu que grandes multinacionais e empresas deixem sem salários mais de dois mil trabalhadores durante os próximos meses, além das demissões em massa que estão ocorrendo ao longo desta última semana.

Esta é a situação particular dos trabalhadores formais, que correspondem a 60% da mão de obra do país. Mas sobram 40% das pessoas sem contrato, uma parte importante na completa informalidade, que em sua maioria vai deixar de ter qualquer entrada de recursos nos próximos meses, sem nenhum tipo de ajuda além de um bônus, que na verdade não dá para nada.

Então esse é o cenário crítico, em que os trabalhadores estão com mais medo de perder seus trabalhos ou fontes de renda, do que se contagiar pelo vírus. O que é bastante preocupante.

Então, diante de todas estas situações, a crise demonstrou que todas as mesmas demandas que foram levantadas em 18 de outubro, a precária situação da saúde no Chile, o roubo descarado dos fundos de aposentadoria, que já neste contexto tiveram perdas milionárias para os trabalhadores, e nenhuma, é claro, para a AFP [Administradora de Fondos de Pensiones]. A isto somamos a precariedade trabalhista no geral, em que além de deixar sem ganhos os trabalhadores, tem uma quantidade grande de pessoas que não tem outra fonte de renda.

Então, o mais provável é que virá uma segunda revolta social ou uma retomada deste mal estar acumulado e que está mais agudo no contexto atual que voltará a deixar claro que as pessoas não estão mais dispostas a continuar sendo deixadas de lado. E também, será fundamental, neste contexto de crise, a reativação do tecido social que começou a ser articulado a partir do 18 de outubro, para colocar em prática a ajuda mútua, já que não vai nos sobrar outra, para poder enfrentar a precária situação em que nos encontramos nós, habitantes deste território.

Finalmente, para ir terminando, vimos que o Brasil e Equador estão sentindo as consequências da pandemia, e como, na realidade, seguimos sendo colônia dos Estados Unidos e copiando sua forma de atuar, é provável que terminemos piores do que eles, já que a precariedade do sistema de saúde, a inexistência da proteção social e que estes 3 países sejam governados por empresários de direita, que somente estão cuidado do bolso de seus amigos de negócios, provavelmente o Brasil será o mais afetado, pela grande população que tem em seu território, mas as consequências no final serão as mesmas para os pobres de ambos países.

Bom, é isso que posso contar por enquanto.

Aproveito para agradecer a Biblioteca Terra Livre pelo convite para este podcast.

Lhes mando um abraço fraterno nestes tempos de incerteza.

E até a próxima!

Fronteira #8 com Raúl Zibechi

Neste oitavo episódio do Fronteira recebemos Raúl Zibechi para conversar sobre os impactos da Covid-19. Neste ep Zibechi analisa os impactos do coronavírus no contexto latino-americano a partir de dois pontos centrais: os efeitos político e sanitários da pandemia. Destacando a fragilidade dos sistemas de saúde; as condições precárias de habitação, e; a ampliação do aparato repressivo de Estado, seja ele em sua forma policial ou militar. O Fronteira é aperiódico, e existe enquanto enfrentarmos os efeitos sociais e políticos do Covid-19.

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Abaixo a transcrição e tradução da fala de Raúl Zibechi:

Boa tarde a todos e todas!

A situação do coronavírus na América Latina, eu diria que é, uma situação de uma epidemia que recentemente está chegando. Está em suas primeiras fases, e, portanto, é muito difícil avaliar onde estará o pico desta epidemia. Alguns dizem que, uma vez que tendo chego em meados de março na maioria dos países, ocorrerá o pico em meados de maio, pelo menos é o que se prevê na Argentina, e mais precisamente em Buenos Aires. Ou seja, ainda temos um mês e meio pela frente, que será bem longo, porque temos na América Latina e concretamente na América do Sul a particularidade de que a epidemia chega no mesmo momento em que começará o outono e se aproxima o inverno. E tudo indica que, apesar de não termos certeza, o inverno pode agravar esta situação.

Vamos ver agora quais os efeitos que esta epidemia teve nas últimas duas ou três semanas. Ela teve dois grandes efeitos, um político e outro sanitário. Os governos tomaram medidas bastantes drásticas, particularmente os da América Central, bem como Equador, Peru, Chile, Colômbia e Argentina, de fechamento total das fronteiras, quarentena obrigatória, com estado de sítio e toque de recolher em alguns lugares.

Creio que esta rigidez em comparação com alguns países da Europa do norte, como Suécia, Alemanha, Holanda, Dinamarca, que mantém uma boa parte de suas atividades, penso que isso se deve em grande parte ao fato dos sistemas sanitários da América Latina serem muito mais frágeis e quanto maiores as fragilidades, dá a impressão, de que maior é a necessidade de conter o vírus em suas primeiras etapas. Antes mesmo do vírus chegar em El Salvador já se aplicam medidas muito drásticas, de fechamento de mercados, impedindo a circulação das pessoas, para evitar assim que o colapso dos sistemas sanitários chegue logo, como já está ocorrendo em Guayaquil, por exemplo, onde aparecem cadáveres nas ruas, porque não apenas o sistema sanitário está saturado, como também a capacidade de cremar ou enterrar os corpos, ou até mesmo de recolhê-los.

Penso que Guayaquil é nesse momento o lugar mais complicado, mais difícil, além de ser o lugar em que a crise social e sanitária foi experimentada antes.

Então essa é uma primeira aproximação.

Em segundo lugar eu diria que em alguns países avançou muito rapidamente, como Equador e Chile, com a particularidade que ambos tem mais ou menos a mesma população e a mesma quantidade de infectados, uns três mil e tantos, mas no Equador o número de mortos se multiplicam por sete em comparação ao Chile. Isso é importante.

O Brasil está experimentando um crescimento muito grande, cerca de mil casos diários em média ao longo dos últimos dias, elevando os números, que em breve superará os 10.000 infectados, está atualmente em 8.000 ou 9.000.

E a Argentina é outro lugar onde foi decretada uma quarentena drástica, não tem pessoas circulando nas ruas, mas, por sua vez conseguiram conter a pandemia, tendo cerca de 1.000 infectado, não chegando a 40 o número de mortos. Significa que conseguiram por enquanto esse controle.

A América Latina tem uma particularidade que não tem em outros países. Em primeiro lugar onde a pandemia chega mais, e tem uma grande parte da população que vive em favelas, cantegriles, villa miseria, em situações muito precárias, e, além disso, uma porcentagem muito alta, que pode superar os 50% em vários países, de pessoas que vivem da informalidade.

Então, conversando com companheiros favelados do Brasil nesses dias, eles me diziam – o que também é possível estender a outros países -, que “já temos dengue, mais de 3 milhões de casos em toda a região, já temos a precariedade do trabalho, precariedade sanitária, lugares onde não há água”, a recomendação de fique em suas casas e lavem as mãos, é uma recomendação que muito poucos podem cumprir, primeiro porque não há água, não há saneamento, ou são precários. E, além disso, as moradias são muito precárias, com teto de chapas, por onde passa água quando chove, é o que comentam os companheiros das villas miseria na Argentina. Então permanecer fechados em casa é praticamente impossível. Essa é uma recomendação para as classes médias. Os setores mais pobres vivem em 8 ou 10 em uma moradia pequena, não há espaço para cada um, não há computador para cada um.

Ontem conversei com uma amiga uruguaia, que tem dois filhos na escola, um acaba de terminar o liceu e tiraram o acesso ao computador, e seu filho menor só pode se conectar através do celular. Então fazer as tarefas e acompanhar as aulas pelo celular não é o mesmo que pelo computador. Tem casas, muitas casas, eu diria a maioria dos setores populares, que têm, se muito, um computador e a conexão da internet não é boa. Então essas recomendações tem sido problemáticas.

O segundo tema que queria abordar, brevemente, é que a primeira onda de coronavírus já está provocando uma crise política muito forte. O epicentro do colapso sanitário e social é Guayaquil, no Equador; o epicentro da crise política é o Brasil, onde temos um governo errático de Bolsonaro, um governo que se opõe ao fechamento do comércio, por exemplo, porque contrapõe a economia à saúde e os governadores em massa que se opõe à Bolsonaro e decretam medidas (que Bolsonaro não pode impedir, por que o Brasil é um Estado federal) que buscam impedir que Bolsonaro se sobreponha e reabra os mercados e o comércio. Tem ocorrido manifestações a favor da reabertura que são impulsionados por Bolsonaro, panelaços diários contra o governo e, uma atitude dos militares que estão encurralando Bolsonaro para lhe impor as medidas lógicas que, neste caso, são para priorizar a saúde.

Portanto, queria esboçar esses dois cenários: um de crise sanitária e outro cenário de crise política que marcam o que está acontecendo na região nesse momento. Para mim, acredito que nos lugares onde ainda não há crise política existe uma massiva e onipresente presença policial nas ruas. Argentina e Chile são casos muito evidentes, onde tradicionalmente a polícia tem um papel de controle da sociedade entre os setores populares, uma presença massiva contra os jovens, contra os adolescentes, presença muito repressiva e é isso que está ocorrendo agora.

Então, temos que ver a sociedade em seus diferentes níveis: o 10, 15% mais rico; as classes médias; e os setores populares. Cada um está sofrendo a pandemia de uma maneira muito distinta.

Minha impressão é que está avançando muito fortemente a militarização, que já vinha acontecendo na América Latina, Venezuela é um caso evidente, Nicarágua também. Mas estamos avançando nisso. No Chile, a forma do governo de Piñera de combater, de reverter as massivas manifestações de revolta social que se iniciaram a partir de outubro tem sido por meio de uma presença massiva dos carabineros [um tipo de polícia presente no Chile], estado de sítio, reforço do papel dos militares. Bom, e agora essa tendência de fundo que vinha se manifestando se aprofunda.

Eu creio que não há tendências novas, mas sim que podemos ver em nossa região é que com o coronavírus há uma aceleração de tendências preexistentes. Com essa aceleração temos uma crescente crise dos serviços públicos (Saúde, Educação, Saneamento) que já era evidente, mas que agora colapsam. E também uma aceleração dos tempos políticos. No Equador há uma nulidade, uma desaparição do governo de Lenin Moreno e no Brasil um isolamento crescente e um desnorteamento do governo Bolsonaro, que está sendo cada vez mais substituído por uma presença militar e dos governadores, criando um governo paralelo entre os militares e os governadores que, independente das suas tendência políticas, estão fazendo uma política mais ou menos razoável frente a essa situação.

Então, para sintetizar eu diria: a pandemia é muito preocupante por causa do deterioramento da saúde, em particular dos setores populares; e a militarização da sociedade também é muito preocupante. Estamos vendo uma situação que tem duas questões centrais: a sanitária e a repressiva. O controle militar policial das nossas sociedades é cada vez mais preocupante porque está marcando o futuro que pode permanecer depois da pandemia. Um futuro preocupante, porque a pandemia não vai terminar em três meses nem seus efeitos vão embora em um ano.

Estamos prevendo que em três meses a situação sanitária pode chegar a ser crítica e que, depois de passar esse pico e as coisas possam se encaminhar lentamente, provavelmente tenhamos uma crise econômica tremenda, com um forte retrocesso do produto interno bruto (PIB), um enriquecimento dos mais ricos e um maior empobrecimento dos mais pobres. Seguramente, como consequência, esse processo viria acompanhado por um controle policial militar forte para reprimir os protestos e as eventuais revoltas que possam ocorrer. Já vimos que o quarto trimestre de 2019 foi marcado por uma onda de revoltas sociais na região. Essa onda pode continuar e aprofundar-se quando a pandemia for suavizando-se.

Isso pode estar indicando para onde nossas sociedades estão caminhando. Acredito que é um tema que deve continuar sendo discutido nas próximas semanas. Isto é, deve ser acompanhado semana a semana e até mesmo dia a dia.

Muito obrigado.

Antinomia #25: A educação nos tempos da quarentena

Em meio à pandemia, Weintraub completou 1 ano no comando do MEC. Se o panorama da educação no Brasil já ia mal, a situação se agravou ainda mais com a quarentena. Praticamente da noite para o dia, as escolas fecharam e o ensino passou do presencial para o virtual. Os alunos ficaram sem o espaço da socialização da escola; pais agora têm que cuidar dos seus filhos em tempo integral e os professores precisam lidar com o sobretrabalho, o assédio moral e a vigilância dos gestores escolares. Para comentar tais tema, também contamos com a participação de um integrante do coletivo “Voz Rouca”.

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