Na quarta-feira, dia 28 de novembro, Jair Bolsonaro, atropelando o Itamaraty, disse que teve parte na decisão de não sediar a conferência do clima das Nações Unidas no próximo ano, a COP-25. Instituições que lidam com a questão climática no Brasil como a WWF-BR e Greenpeace, realizaram uma série de críticas, como o impedimento do crescimento econômico brasileiro diante de tal política.
Diante deste cenário, julgamos interessante resgatar o pensamento ecológico de Murray Bookchin, pensador estadunidense libertário que pensou a ecologia desde os anos 1960. Nosso objetivo, neste texto, não seria a de analisar quais são os interesses envolvidos na decisão do governo, mas de refletirmos a ecologia radical de Bookchin diante da questão ecológica.
Segundo Bookchin, a questão ecológica não é uma questão menor, pois o que está em jogo é a existência humana no planeta Terra, por isso tentará desenvolver uma análise que abordará a raiz do problema.
Para tanto, primeiro, observa como o movimento verde discute a questão ecológica, encontrando três perspectivas: a do eco-capitalismo (uma contradição em termos, segundo o autor), a primitivista e a eco-tecnocrata. A primeira, seriam àquelas das empresas, organizações transnacionais e até mesmo ONGs e fazem a crítica do desmatamento, poluição do meio ambiente etc., mas sem levar em consideração o modo de produção capitalista. A segunda visão, faz referência a uma tendência no próprio seio do anarquismo que prega uma espécie de volta ao paleolítico ou neolítico para a interrupção da destruição ambiental, entendendo que seria a industrialização o grande mal da contemporaneidade. E por fim, a terceira perspectiva coloca o uso da tecnologia como a grande salvadora da eminente catástrofe ambiental que está em curso.
Para Bookchin, todas essas três perspectivas não lidam com a raiz do problema ecológico, desviando a atenção do tema para uma certa “mentalidade tecnológica” ou para o crescimento demográfico, sendo este último apenas um problema relativo, se assim o considerarmos um problema. Para o autor, a raiz dos problemas ecológicos são decorrentes do capitalismo, sendo aqueles argumentos o que chamou de “soluções cosméticas”, que não resolveriam em nada a degradação do meio ambiente, só retardariam – e em muitos casos acirrariam – a degradação do meio ambiente.
No entanto, outro elemento que antecede até mesmo o capitalismo e que também está na raiz do problema ambiental, seria a hierarquia e a dominação, pois seria a partir da dominação do homem pelo homem que se teria originado o conceito de dominação sobre a natureza, tendo como desdobramentos a dominação do homem sobre a mulher, do jovem sobre o velho, de castas, classes, etnias, sexual e qualquer outra estratificação social.
Por isso, não haveria mudança ecológica significativa sem levar em consideração a mudança radical da sociedade, por essa razão cunhou o conceito de ecologia social. Para evitar o biocídio do planeta – destruição global do meio ambiente -, deveríamos ter uma mudança da sociedade capitalista para o que chamou de uma sociedade ecológica através da Revolução Social.
Neste ponto, Bookchin tenta explicar o que entende por uma sociedade ecológica. Evitando cair no misticismo primitivista e no fetichismo eco-tecnocrata, o autor nos diz que a sociedade ecológica é uma sociedade sem classes e não-hierárquica, portanto, sem qualquer forma de dominação. Para tanto, resgata o pensamento anarquista do geógrafo Piotr Kropotkin e dos italianos Errico Malatesta e Camilo Berneri, ecologizando o pensamento anarquista clássico de tradição iluminista.
Seguindo este caminho, Bookchin coloca a humanidade “na” natureza e não fora dela, nos falando que a humanidade possui sim um lugar diferenciado em relação à outras espécies, tendo em vista sua capacidade de pensar conceitualmente e de se comunicar simbolicamente. Portanto, o que faz a humanidade ser única em relação aos não-humanos é de ter certo grau de auto-consciência e flexibilidade de sua compreensão acerca da totalidade (entendo o conceito de totalidade, não no sentido de saber de tudo, mas de compreender a complexidade que envolve o estar no mundo, sem saber de tudo).
Assim, o conceito de humanidade de Bookchin não é aquele abstrato do iluminismo clássico, mas uma humanidade marcada pelas diferenças culturais, étnicas, etárias etc., e nesse sentido, reflete num devir ecológico e não num ser ecológico.
Tal transformação não viria a partir de um órgão centralizado, como o Estado, pois mediante as disputas internas dessa organização o máximo que se chega é em alguma solução cosmética, tendo em vista os interesses econômicos que faz parte do Estado. Fora esta questão, o Estado impede a participação popular, tão importante para o desenvolvimento de uma democracia direta. Muito pelo contrário, perpetua a exploração capitalista não dando o tempo necessário para a atuação política do.a trabalhador/a.
Refletindo uma alternativa, Bookchin pensa no uso da tecnologia para conceder esse tempo de “ócio criativo” tão necessário para a construção de uma maior participação das decisões políticas. Mas é importante dizer de novo e ressaltar, que não cai no fetichismo tecnocrata.
Para Bookchin, uma nova política deveria ser criada a partir da base, em um nível comunitário, um poder popular que se organiza de baixo para cima, o que chamou de confederação de municípios livres, servindo de um contrapoder de base à centralização estatal, fortalecendo os modos de vidas comunitários.
A obra de Bookchin é ‘seminal’ ao indicar uma forma interessante de voltar a conectar o movimento anarquista com as demandas sociais – posto que o ‘movimento verde’ a partir dos anos 1960 representou um grande fator de mobilização porém, desde cedo, tendendo a ser confinado em limites… ainda assim, os desdobrmentos do ‘tecnoecológicos’ claramente direcionados à uma coletividade de cidadãos que se expressariam ‘politicamente’ no cotidiano através das suas opções como ‘CONSUMIDORES’, ou seja, pela escolha de produtos com selo de qualidade relacionados à ISO14000, a IS018000 ou a ISO24000 – isto é – ‘sustentabilidade verde’, normas de saúde e higiene para os trabalhadores e por fim ‘responsabilidade social’ com todos os ‘stakeholders’ (acho que é assim que se escreve…). Enfim, mesmo o pano de fundo desse cenário capitalista utópico promovido pelo livre mercado, é algo impossível de alcançar quando a questão dos preços sem vai falar mais alto que a ‘consciência’ dos trabalhadores no momento em que podem ‘exercer poder’ pelo consumo… Tudo compondo um enredo para que cada um permaneça conformado ao seu posto… acreditando na imagem do ‘passarinho levando água no bico para apagar o incêndio’ guiado apenas pela sua consciência – exercitada nas gôndolas dos mercados.
Infelizmente, os esforços de MB para apontar os pontos de contato com a realidade social e política através do municipalismo libertário têm sido, como sempre, mais um ponto de polêmica para alguns “puristas” – como se houvesse em seus escritos qualquer pregação dogmática – em vez de focarem nas linhas gerais e na adequação daquilo que é válido e permanente para o esforço de militância cotidiana.
Em minha opinião, a visão ‘ecológica’ ou ‘sistêmica’ da sociedade sustentável proposta por MB é a única que permite ao ‘ecologismo’ evadir-se da caixa ‘reformista’ em que foi confinado. A proposta de uma sociedade com a ‘riqueza’ de uma floresta tropical, isto é, com a diversidade e multiplicidade aumentando a estabilidade funcional – baseando-se na superação das contradições hierárquicas que surgem na nossa espécie desde a dicotomia dos gêneros até aquela da propriedade dos meios de produção, todas como distorções e entraves no progresso humano (nunca como fator momentâneo de avanço!) que se realiza à despeito delas, que podemos dizer, são um dreno nas forças sociais que, a partir do estágio econômico do imperialismo, alcançam um nível de dano e risco à biosfera – não apenas às espécies diretamente afetadas pelos interesses ‘humanos’.