Neste décimo episódio do Fronteira recebemos Slavia Maggio para conversar sobre os impactos da Covid-19. Neste ep Slavia, companheira da editorial Eleuterio, aborda as ações nefastas praticadas no território chileno pelo governo de Piñera em conjunto com a classe empresarial. As medidas políticas de precificar a saúde e transformar esta em um bem escasso, bem como os ataques aos trabalhadores, com a suspensão do pagamento dos salários, demonstram o desprezo e ódio que a elite chilena tem pelo povo daquele território. O Fronteira é aperiódico, e existe enquanto enfrentarmos os efeitos sociais e políticos do Covid-19.
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Abaixo a transcrição e tradução da fala de Slavia Maggio:
Boa tarde amigos do Antinomia e Biblioteca Terra Livre.
Quem fala é Slavia, desde o Chile para contar a situação que a um mês nos encontramos desde que a epidemia se estendeu por este território.
A situação local não é muito distinta da do Brasil, já que ambos governos tiveram a mesma atitude em negar o que ocorre e priorizar os interesses dos empresários, ao invés de se preocupar com a vida das pessoas.
Aqui, desde o início, não houve nenhuma medida de controle sobre o ricos, que trouxeram o vírus de suas viagens para o exterior e os propagaram desde os bairros altos ao resto da cidade.
Em 18 de março, quando já haviam, mais ou menos, 250 pessoas contagiadas, foi declarado um estado de exceção constitucional, uma medida que na realidade não teve muito sentido, já que não decretou uma quarentena para toda a população, mas apenas para os bairros do centro de Santiago e nos bairros das classes altas.
Contudo, este estado de exceção foi a antessala, para que quatro dias depois, fosse anunciado um novo toque de recolher. Lembremos que como resposta aos revoltas sociais de outubro, do dia 18 de outubro passado, a primeira medida de Piñera foi estabelecer o toque de recolher, onde os militares saíram às ruas, e cometeram uma série de abusos que, inclusive, significaram a morte de várias pessoas, em circunstâncias muito estranhas, como pessoas baleadas que apareceram em supermercados queimados, entre outros casos, que até o dia de hoje, seguem em completa impunidade.
Por isso que a medida repressiva faz sentido em meio a uma crise sanitária, pois o único que interessa a classe política é manter o controle mediante ao amedrontamento da população. O toque de recolher ainda permanece vigente.
Em respeito a saúde, o custo do exame de detecção da doença foi o primeiro a ganhou um preço quando começaram a chegar os primeiros casos. Em nenhum momento se considerou que deveria ser gratuito e massivo, assim, qualquer pessoa que acha que pode estar contagiada tem que pagar tanto o teste como a consulta de urgência. Que o exame seja pago, é o reflexo da desigualdade ao acesso de um direito básico, como a saúde, e a isso temos que acrescentar que o resultado dos testes estão demorando, em alguns casos, mais de cinco dias.
O que demonstra o colapso que está se produzindo no sistema de saúde, onde, inclusive pessoas que já morreram e que logo depois de seu falecimento foi realizado o teste, assim, não podemos confiar nas cifras que está informando o governo.
Além disso, o governo está fazendo desta pandemia um negócio, deixando em evidência o profundo nexo que existe entre o empresariado e o governo, o qual fica explicito com a decisão de alugar um espaço privado, chamado espaço Riesco, que é utilizado para eventos internacionais de grande porte. Este espaço, que poderia ter sido colocado a disposição para as pessoas sem nenhum custo, vai ser alugado pelo estado diariamente, por uma quantia que é incompreensível, se pensamos na falta de insumos que existe nos hospitais e no sistema público de saúde no Chile. Que, em meio a uma emergência, se destine recursos públicos a uma família de elite, dona deste espaço, comprova qual é a prioridade do governo.
Como este, são vários os exemplos que se podem dar.
Esta perspectiva empresarial também vai ficar clara, quando um dos empresários que gere os fundos de aposentadorias, entre outros dos negócios que tem, disse em uma entrevistas — abro aspas — : “Não podemos seguir parando a economia, devemos assumir o risco e isso significa que vai morrer gente.”
Isto explica que até o dia de hoje, apesar de haver 94 mortos, o que é um número alto, se consideramos que a população é de somente 18 milhões de habitantes, e que as cifras, apesar de estarem aumentando, a classe política decidiu que não haverá quarentena total, e que inclusive estão retirando as quarentenas nos territórios. Então já se estabeleceu que as pessoas na verdade não tem maior importância.
Outro tema que também está complicado é a situação trabalhista, porque o Ministério do Trabalho estabeleceu uma norma, sob o nome de Lei de Proteção do Emprego, no qual permite que os empregadores suspenda o pagamento dos salários dos trabalhadores pelos meses em que durar a crise sanitária, sem com isso terminar os contratos trabalhistas. Em alguns casos as pessoas podem ficar 3 meses sem receber salários. Isto permitiu que grandes multinacionais e empresas deixem sem salários mais de dois mil trabalhadores durante os próximos meses, além das demissões em massa que estão ocorrendo ao longo desta última semana.
Esta é a situação particular dos trabalhadores formais, que correspondem a 60% da mão de obra do país. Mas sobram 40% das pessoas sem contrato, uma parte importante na completa informalidade, que em sua maioria vai deixar de ter qualquer entrada de recursos nos próximos meses, sem nenhum tipo de ajuda além de um bônus, que na verdade não dá para nada.
Então esse é o cenário crítico, em que os trabalhadores estão com mais medo de perder seus trabalhos ou fontes de renda, do que se contagiar pelo vírus. O que é bastante preocupante.
Então, diante de todas estas situações, a crise demonstrou que todas as mesmas demandas que foram levantadas em 18 de outubro, a precária situação da saúde no Chile, o roubo descarado dos fundos de aposentadoria, que já neste contexto tiveram perdas milionárias para os trabalhadores, e nenhuma, é claro, para a AFP [Administradora de Fondos de Pensiones]. A isto somamos a precariedade trabalhista no geral, em que além de deixar sem ganhos os trabalhadores, tem uma quantidade grande de pessoas que não tem outra fonte de renda.
Então, o mais provável é que virá uma segunda revolta social ou uma retomada deste mal estar acumulado e que está mais agudo no contexto atual que voltará a deixar claro que as pessoas não estão mais dispostas a continuar sendo deixadas de lado. E também, será fundamental, neste contexto de crise, a reativação do tecido social que começou a ser articulado a partir do 18 de outubro, para colocar em prática a ajuda mútua, já que não vai nos sobrar outra, para poder enfrentar a precária situação em que nos encontramos nós, habitantes deste território.
Finalmente, para ir terminando, vimos que o Brasil e Equador estão sentindo as consequências da pandemia, e como, na realidade, seguimos sendo colônia dos Estados Unidos e copiando sua forma de atuar, é provável que terminemos piores do que eles, já que a precariedade do sistema de saúde, a inexistência da proteção social e que estes 3 países sejam governados por empresários de direita, que somente estão cuidado do bolso de seus amigos de negócios, provavelmente o Brasil será o mais afetado, pela grande população que tem em seu território, mas as consequências no final serão as mesmas para os pobres de ambos países.
Bom, é isso que posso contar por enquanto.
Aproveito para agradecer a Biblioteca Terra Livre pelo convite para este podcast.
Lhes mando um abraço fraterno nestes tempos de incerteza.
E até a próxima!