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Fronteira #2 com Martha Ackelsberg

Neste segundo episódio do Fronteira, recebemos Martha Ackelsberg, para conversar sobre os impactos da Covid-19. Neste ep Martha aborda a crise do sistema de saúde nos EUA, bem como a violência e terrorismo de Estado promovidas pelo governo de Donald Trump. A solidariedade nos bairros como forma de resistência também aparece como ponto central para resistência e sobrevivência em Nova York. O Fronteira é aperiódico, e existe enquanto enfrentarmos os efeitos sociais e políticos do Covid-19.

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Abaixo a transcrição e tradução da fala de Martha Ackelsberg:

Olá companheiros, obrigada pela oportunidade de compartilhar como vocês um pouco do que está passando aqui em Nova York.

É preciso enfatizar, desde o princípio, que os EUA não tem um sistema nacional público de saúde. Assim que, uma certa parcela da população tem que pagar eles mesmo pelos serviços médicos.

Neste caso, especialmente nos primeiros dias da presença do vírus, muita gente que queria paralisar o serviço ou pedir provas para conhecer seu status, hesitaram em fazê-lo por falta de recursos para pagar.

Ao mesmo tempo, porque o presidente Trump negou a importância do vírus, o governo não ajudou as clínicas existentes, nem as dos estados, nem as das cidades, a se prepararem para o aumento que viria.

Então, nos encontramos por todo o país, e especialmente em Nova York, o epicentro do vírus aqui nos Estados Unidos, o número de infectados está dobrando a cada dois ou três dias, com a escassez das mínimas necessidades, faltam os kits para testes, não há maneiras de saber o número verdadeiro dos afetados, nem curados, porque não há suficientes materiais. Além disso, os hospitais não tem máscaras suficientes para proteger as pessoas, não tem ventiladores, não tem suficientes leitos nos setores de emergência. Desta forma, médicos, enfermeiras e enfermeiros estão se infectando e isto vai contribuir a já existente falta de pessoal.

A resposta na semana passada do presidente a solicitação dos governadores dos estados para ajuda, foi: “Não sou um despachante!”.

O país e minha cidade estão em crise. O governador do estado de Nova York e o prefeito da cidade ordenaram uma pausa. Ninguém além dos funcionários essenciais, gente do setor médico, de transporte, de saúde, de mercados de alimentação, etc., pode ir para seus postos de trabalho. Todos temos que permanecer em casa, apenas saindo para atender necessidades. As escolas fecharam, os estudantes – que tem serviços de internet – recebem aulas em casa através da internet. Milhões de pessoas se encontram sem trabalho e dentro de pouco tempo sem recursos.

Experimentamos dois lados, quase opostos da crise, de um lado o governo nacional federal, dominado pelo narcisista número 1 do mundo que começou negando a importância do vírus, insistindo que era mais ou menos igual ao fluxo normal e que tinha tudo sob controle. Continua a rechaçar toda a responsabilidade de resposta a pandemia, pelo menos na resposta médica à pandemia. Sua primeira e última preocupação é seu poder, sua imagem e assegurar sua reeleição.

Agora, que não se pode mais negar a propagação do vírus e seus efeitos, ele continua a dizer que não é tão sério como dizem e, ao mesmo tempo, trata de utilizar a crise para impor sua política xenofóbica, uma política de terrorismo de Estado e de enriquecimento dos ricos. Desta forma, fechou as fronteiras com o Canadá e México, deixando milhares de pessoas em campos de detenção nos dois lados da fronteira do sul em condições horríveis, com falta quase total de serviços médicos.

Frente a rápida condição de miséria de muitas pessoas sem trabalho, tratou de colocar em prática um resgate para empresas grandes como aviação, petróleo e hotéis, inclusive os seus, sem nenhuma supervisão, ele disse: “Eu vigiarei!”

E justamente ontem, disse que os meios de prevenção do aumento da pandemia, especialmente o distanciamento físico, são demasiado duros, e opondo-se aos avisos médicos e científicos de sua própria administração disse que quer abrir a economia até a Páscoa.

– “Vamos perder algumas pessoas por isso”, disse, mas vamos perder mais por uma recessão ou depressão econômica. Por outro lado, muitos governadores dos estados e prefeitos de cidades, organizaram os recursos que tem e fazem o que podem para manter a sanidade e segurança de suas populações. E no nível dos bairros, da comunidade, experimentamos o crescimento de redes de apoio mútuo a um nível espantoso.

No meu bairro, por exemplo, ao se iniciarem os avisos da possibilidade de ordens para ficar em casa, indivíduos começaram a anunciar nas redes sociais do bairro, sua disponibilidade para atender necessidades. Em alguns dias alguém criou um google docs, que tem atualmente mais de 50 nomes e dados de contato de gente, a maioria jovem, disponíveis a ajudar outros, e funciona muito bem.

Ainda mais impressionante, um grupo de pessoas e organizações comunitárias formada por gente de toda a parte da cidade está organizando um site e uma rede, que conectará um número enorme de grupos, serviços, indivíduos, serviços públicos, etc. Quase impossível de descrever, mas esta gente reconheceu a necessidade de conectar grupos muito isolados e estão trabalhando desde suas casas, dia e noite, para criar uma rede de apoio mútuo impressionante.

Desta forma continuamos. Graças as redes sociais e a auto-organização das pessoas sobrevivemos. Muitos dizem que depois do que estamos passando tudo será diferente.

Talvez a pergunta mais importante:

O que quer dizer diferente?

Obrigada a todos e espero que se mantenham com saúde!

Saúde e abraços desde Nova York.