Comentários sobre o livro “Por uma economia libertária” de Frédéric Antonini

(Nota da Biblioteca Terra Livre: O texto que você tem acesso foi escrito originalmente no contexto da publicação da segunda edição do livro pela edições Nada publicada em 2022. Tomamos a liberdade de adaptar o primeiro parágrafo do texto para apresentar a edição do livro recém editada agora em português. Você pode ter acesso à edição em português no site: https://livrariaterralivre.lojavirtuolpro.com/pre-venda-por-uma-economia-libertaria/p)

A Biblioteca Terra Livre e o Centro de Cultura Libertária da Amazônia acabam de relançar um pequeno livro de Frédéric Antonini, Por uma economia libertária.

Falar sobre economia libertária é um assunto delicado porque corremos o risco constante de se equilibrar entre a utopia (como gostaríamos que as coisas acontecessem) e evocar o exemplo espanhol da Guerra Civil. O autor não cai em nenhum desses dois buracos; ele não pretende oferecer um programa definitivo, mas abrir caminhos para reflexão. Mas esses são caminhos ancorados na realidade como a vivemos hoje.

“Essas propostas parecem mais do que necessárias hoje, em uma época em que o futuro está obscurecido não apenas pela deterioração das condições de vida de tantos seres humanos, mas também, e principalmente, pela lenta erosão da esperança de uma vida melhor para todos.” É hora de saber “o que realmente precisamos para substituir esse mundo destrutivo e sua economia fundamentalmente predatória”. Ao perguntar “o que realmente precisamos para substituir”, o autor quer dizer que não devemos destruir tudo?

Antonini define uma economia libertária como “aquela em que as relações, estruturas e operações humanas estão influenciadas por grandes valores e princípios que o anarquismo preza. Cinco deles são fundamentais: liberdade ou autodeterminação, igualdade, responsabilidade, cooperação social ou ajuda mútua e justiça social”.

A economia libertária não pode ser encarada senão numa sociedade global imbuída dos mesmos valores. Acrescente-se que a busca de um bem-viver para todos é impossível numa sociedade baseada na perpetuação das relações de dominação. Por procura de um bem-viver, entenda-se o fato de viver numa sociedade e numa economia cujas estruturas e cujo funcionamento permitem que todos os indivíduos desenvolvam seu potencial.

A igualdade não se limita à igualdade de direitos e deveres: é tamanha “equivalência de situações” que os membros de uma sociedade se vejam “como iguais, independentemente das diferenças de situação” – grifo meu – o que sugere que não se trata de uma igualdade espartana: essa igualdade “pressupõe também que as diferenças nas situações sejam suficientemente medidas para que não possam dar origem a diferenças que sejam percebidas como desigualdades”. Entende-se, portanto, que a economia libertária prevista por Antonini não implica uniformidade absoluta de remuneração (ou de subsídios de consumo se preferirmos falar da abolição do trabalho assalariado).

Proudhon também não pensa que uma igualdade absoluta de salários será possível, mas que será uma tendência: “Sendo as estatísticas assim definidas, as retificações não tardarão a chegar. Sem dúvida, nunca teremos igualdade absoluta, mas, através de uma série de oscilações cuja amplitude diminuirá cada vez mais, aos poucos nos aproximaremos dela, e a igualdade aproximada logo será um fato” (Teoria da propriedade).

É verdade que esse problema não se coloca para os anarquistas de inspiração kropotkiniana, para os quais cada um consumirá “conforme suas necessidades”, expressão muito vaga na medida em que necessidades são um conceito bastante subjetivo. É uma expressão sobretudo prejudicial também na medida em que as necessidades individuais representam apenas uma parte das necessidades da pessoa em comparação com as necessidades coletivas – saúde, educação, moradia, fornecimento de água, gás, eletricidade, transporte e outras de que não me lembro.

Assim, Antonini nos diz que a economia libertária se opõe a “diferenças excessivamente grandes de riqueza”, mas também a “todas as formas de enriquecimento sem causa, porque elas são um ataque direto à igualdade socioeconômica” e aos valores fundamentais do anarquismo.

Admito que quando li “diferenças excessivamente grandes de riqueza” fiquei um pouco nervoso. Antonini entende “enriquecimento sem causa” como “qualquer enriquecimento que não seja consequência do trabalho ou de pertencer à sociedade humana”. Confesso que não entendo que enriquecimento estaria ligado a “pertencer à sociedade humana”. De resto, um “enriquecimento” ligado ao trabalho evoca muito a (falsa) polêmica que opôs os coletivistas bakuninianos e os anarquistas comunistas de inspiração kropotkiniana.

Do que se trata? Ativistas da Internacional antiautoritária como Bakunin se definiram como “coletivistas” (em vez de “anarquistas”) e basearam suas políticas na ideia de que cada trabalhador seria pago de acordo com seu trabalho. Esse princípio era dirigido contra os parasitas sociais que não trabalhavam, mas alguns anarquistas fingiram entender que isso excluía todos os membros da classe trabalhadora que não trabalhavam, tais quais crianças, esposas, doentes, velhos, o que obviamente não era o caso, como expõe sem ambiguidade a leitura de Bakunin. Kropotkin e com ele os anarquistas comunistas introduziram a ideia de que todos deveriam poder consumir de acordo com suas necessidades. Kropotkin inventou a ideia desastrosa de “tirar da pilha”, que quase todo mundo interpretou como uma abundância de onde cada um poderia se servir como quisesse. Poderíamos, no máximo, imaginar tal situação num futuro muito distante, implicando um desenvolvimento muito significativo das forças produtivas e uma produtividade muito alta do trabalho. Kropotkin sem dúvidas sabia disso, já que a formulação exata cuja segunda parte a maioria dos militantes omitiu era: “tirar da pilha o que é abundante, racionar o que não é”.

De fato, Antonini se volta à questão (quase insolúvel no estado atual dos debates no movimento libertário) da remuneração do trabalho numa sociedade libertária, rejeitando o ponto de vista dogmático segundo o qual “todo mundo tem a mesma remuneração que um trabalhador”. Ele considera a possibilidade de diferenças de renda, desde que não levem à “dominação lucrativa”. O problema que levanta é muito real, porque nos debates públicos somos frequentemente confrontados com questões como: “Mas, então, um trabalhador e um cirurgião serão pagos da mesma forma?” O militante que responde sim a essa pergunta é inevitavelmente taxado de irrealista e deixa de ser levado a sério. No entanto, há razões que justificam uma resposta positiva a essa questão, desde que se considere a aplicação desse princípio com o tempo. Levará muito, muito tempo para alcançar esse patamar.

E é Bakunin quem fornece a resposta.

Sobre as pessoas que estudam e fazem trabalho intelectual, ele diz que “o trabalho intelectual é um trabalho acolhedor que traz em si sua recompensa e não necessita de nenhuma outra remuneração”. Também acrescenta isto:

“Acontece muitas vezes de um operário muito inteligente ser forçado a se calar diante de um tolo erudito que o vence não pela inteligência, que ele não tem, mas pela educação, da qual o operário é privado, e que o tolo foi capaz de receber, porque, enquanto sua estupidez se desenvolvia cientificamente nas escolas, o trabalho do operário o vestia, abrigava-o, alimentava-o e lhe fornecia todas as coisas, professores e livros, necessárias para sua instrução.” (A instrução integral)

Sem chegar a dizer que as pessoas que estudam são tolas (bem, nem todas), Bakunin nos explica que “enquanto alguns estudam, outros trabalham para produzir os objetos necessários à vida”, primeiro para si mesmos e depois também para as pessoas que se dedicaram “exclusivamente ao trabalho intelectual”, porque o trabalho destas últimas “expande o espírito humano”.

A ideia que surge disso é que uma economia libertária seria uma economia na qual todas as atividades humanas seriam consideradas como integradas em um todo solidário e que, se diferenças de renda pudessem ser previstas, elas não deveriam levar à “dominação lucrativa”. A igualdade não hierárquica de renda é uma meta teoricamente desejável, mas a ideia é tão contrária a preconceitos arraigados na população que provavelmente levará gerações para ser realmente implementada.

Acrescentaria, com Antonini, que acumular dinheiro ou qualquer outra forma de símbolo de riqueza em um regime que aboliu a propriedade privada dos meios de produção não faria muito sentido. O problema é que Antonini não abole, estritamente falando, a propriedade dos meios de produção…

Justamente o capítulo sobre a propriedade é um dos mais interessantes deste pequeno livro: de início, Antonini nos diz que “a sociedade libertária reconhece a existência da propriedade privada”, mas dentro de limites por ela considerados aceitáveis. Em outras palavras, é a “sociedade”, portanto as “pessoas” (cidadãos? trabalhadores?) que definirão aonde não podemos ir em termos de propriedade. O autor acredita ser necessário esclarecer que, “em primeiro lugar, é claro que todos são livres para possuir bens pessoais”. Nem preciso dizer, mas talvez seja necessário: não gostaria que minha escova de dentes fosse coletivizada.

O restante do texto revela uma influência claramente proudhoniana, como todo o folheto. De fato, “a sociedade e a economia libertárias não rejeitam a propriedade privada dos meios de produção não naturais, ou seja, o capital criado pelo homem que permite a atividade produtiva regular. Portanto, elas aceitam a existência de empresas privadas”.

Antonini, porém, ressalta que a “propriedade produtiva” não constitui um conjunto de direitos tão amplo quanto nas sociedades capitalistas. Fora a propriedade pessoal, o autor distingue entre propriedade produtiva e propriedade imobiliária. Esses dois tipos estarão livres de uma série de exageros. Entende-se que as pessoas poderão manter a propriedade de suas casas, mas o que não é dito é: poderão adquirir a propriedade de uma casa?

Muito proudhoniano, Antonini se levanta contra os abusos de propriedade. Segundo ele, “o principal abuso da propriedade (…) é que ela pode dar origem a uma remuneração por si mesma, ou seja, em razão de sua mera posse”. Não está formulado de forma muito clara, acredito eu, mas está entendido que não é permitido obter renda com aluguel de imóveis.

Muitas vezes as coisas são ditas de forma indireta, o que torna a proposta pouco compreensível. Um exemplo:

“Entretanto, o fato de a propriedade não ter fins lucrativos não significa que não haja renda proveniente de sua propriedade, empréstimo ou transferência. A possível perda de valor e a renúncia de uso podem, sob certas condições, ser compensadas. Por exemplo, é concebível que a renda não gasta representada pela poupança possa ser remunerada de forma a manter seu poder de compra.”

Quando a propriedade do imóvel permite que se obtenha rendimentos através de seu “empréstimo”, para mim isso se chama “aluguel”. Da mesma forma, quando a renda é derivada por meio de sua “transferência”, isso se chama venda. Na sociedade libertária de Antonini, eu poderia simplesmente alugar ou vender meu apartamento ou casa.

Além disso, não entendo o que significa “perda de valor” ou “renúncia de uso” de um bem. Se meu apartamento “perder valor” (incêndio? inundação?), as causas devem ser determinadas e possivelmente o seguro deve ser solicitado ou possivelmente outra forma de indenização utilizada pela sociedade. Se eu “renuncio ao uso” do meu apartamento, é porque o doei e não há necessidade de indenização ou porque o vendi e o produto da venda é em si uma indenização.

Por fim, Antonini considera a possibilidade de remunerar a poupança das pessoas para manter seu poder de compra – e supomos que o que tem em mente são pequenos poupadores, não os que se envolvem em grandes especulações financeiras. Além disso, manter o poder de compra de uma categoria da população, poupadores (e outros?) significa inflação, portanto dinheiro. Nesses poucos aspectos, é perigoso que o autor se desvie significativamente da abordagem libertária, ou então seria necessário que ele esclarecesse bastante seu pensamento.

Antonini nos diz que a transferência de propriedade não pode dar origem ao enriquecimento e que a “transferência sujeita a pagamento” (a venda, em suma) de um bem por seu proprietário “em nenhuma circunstância poderá exceder o valor da compensação pela renúncia de uso”, ou seja, o valor de sua aquisição e os custos incorridos durante a compra.

Proudhon abordou todas essas questões durante a Revolução de 1848. Em resumo, ele imaginou uma espécie de acordo entre inquilinos e proprietários: os inquilinos pagariam aluguel aos proprietários até que os valores pagos correspondessem ao valor da moradia; depois disso, a moradia se tornaria propriedade do inquilino. Em outras palavras, os aluguéis não constituíam uma renda indefinida em benefício do proprietário.

Uma vez que os inquilinos pagavam aos proprietários o valor da moradia, elas eram municipalizadas e a sua manutenção devolvida à cidade – em outras palavras, o inquilino pagava sua moradia ao proprietário, em benefício da municipalidade… Se fosse necessário trabalho, eram convocadas “empresas de trabalhadores”, uma espécie de associação de trabalhadores da construção.

Antonini, por sua vez, introduz a noção de “obrigação de uso”: “a ausência de uso a longo prazo de uma propriedade transferida resulta na extinção da propriedade pessoal da propriedade”. Trata-se, obviamente, das inúmeras moradias vagas que proprietários não ocupam muitas vezes durante anos. “A propriedade é então transferida para a empresa”, declara Antonini, acrescentando que tais sistemas já existem em muitos países.

Um “programa de transição”?

Na sociedade libertária, como Antonini a vê, há um “pluralismo produtivo”. Aqui, novamente, encontramos vestígios de Proudhon (intencionais ou não). A economia libertária é “essencialmente pluralista”, admite “a diversidade de formas de produção, distribuição e consumo, desde que respeitem os valores e princípios fundamentais do anarquismo”. Em outras palavras, coexistirão organizações produtivas com e sem proprietários, mas também com fins comerciais e não comerciais. Aqui esperamos que o autor nos explique como tudo isso respeita “os valores e princípios fundamentais do anarquismo”…

Ao contrário da crença popular, Proudhon não era um defensor fanático dos pequenos negócios. Ele simplesmente dizia que proprietários de pequenas oficinas industriais que empregavam um ou dois funcionários que não viviam muito diferente de seus chefes eram caracterizados por uma fraca divisão de trabalho e que seriam varridos pela evolução do sistema industrial.

Segundo Antonini, haverá três tipos de empresas:

  • Empresas coletivas, detidas e geridas por seus próprios trabalhadores.
  • Empresas coletivas de interesse público, nas quais a “sociedade” é representada por meio de diferentes agentes: consumidores, moradores, etc., ou “instituições que emanam da sociedade como um todo”.
  • Empresas individuais: na economia de empresa individual, trata-se de um negócio de propriedade e administrado por um único proprietário. Se uma empresa unipessoal emprega mais de um trabalhador, ela é considerada uma empresa coletiva.

Vamos fazer uma observação: a expressão “a sociedade” aparece com bastante frequência e devo dizer que é bastante irritante. Lemos que a remuneração será limitada “pela sociedade” (p. 12). Que esta ou aquela decisão será tomada por “instituições que emanam da sociedade como um todo” (p. 49). Que esta ou aquela outra escolha será definida “por padrão pela sociedade” (p. 49). Que o piso da remuneração é “limitado pela sociedade”. “A sociedade determina o nível do subsídio social…” (p. 58). E por aí vai.

O que é “a sociedade”? Poderíamos dizer que é o Estado. Ou a federação de comunas. Entendemos que é uma organização global que “fiscaliza” todas as instituições que participam da autogestão da sociedade. Mas o que seria interessante é saber do que é feita essa instituição e como ela está organizada.

“A economia libertária é, portanto, uma economia autogerenciável em uma sociedade autogerenciável”, diz o autor; Quanto às orientações globais, “macroeconômicas”, diriam, elas são determinadas num “nível mais social”. O que é esse “nível social”? É com certeza uma escolha se manter numa formulação vaga. É interessante ver que essas orientações globais (“escolhas econômicas e não econômicas”) serão “impostas a todas ou em partes das organizações produtivas”.

Vamos relembrar algo que é com frequência ignorado no movimento anarquista: Proudhon e Bakunin eram a favor da descentralização em questões políticas e da centralização em questões econômicas. Em outras palavras, a descentralização da tomada de decisão relativos às grandes direções da sociedade e a centralização dos métodos de implementação das decisões tomadas.

Segundo Antonini, as “organizações produtivas”, ou seja, as empresas, terão relações com a “sociedade” baseadas no federalismo e na subsidiariedade. Em resumo, as empresas terão autonomia de atuação dentro dos limites de suas atribuições. A “empresa” só intervirá para estabelecer um quadro geral e definir as diretrizes ou quando as decisões a tomar ultrapassarem a competência das empresas em questão. Tudo isto é perfeitamente “ortodoxo”, mas há um problema quando o autor diz que “as organizações produtivas são livres para organizar seus relacionamentos da forma que considerarem melhor: livres para competir ou cooperar, de forma justa e não dominante”. Parece difícil imaginar um sistema econômico no qual as empresas serão capazes de competir ou cooperar. Também parece difícil imaginar um sistema no qual as empresas serão capazes de competir “de forma justa” em que “a concorrência e a cooperação se misturam”.

Proudhon disse: “A concorrência é a força vital que anima o ser coletivo: destruí-la, se tal suposição pudesse ser feita, seria matar a sociedade.” Contudo, ele esclarece isso: “A concorrência deixada por conta própria e privada da direção de um princípio superior e eficaz é apenas um movimento vago, uma oscilação sem propósito do poder industrial, eternamente jogado entre esses dois extremos igualmente desastrosos” (Sistema de contradições econômicas). Antonini parece, portanto, estar em perfeita ortodoxia proudhoniana, o que não significa que sejamos obrigados a seguir Proudhon nessa questão. O perigo é que, uma vez introduzida a competição controlada, ela rapidamente se torne incontrolável.

Vamos deixar de lado a produção e se concentrar na distribuição. Os produtores associados ou individuais são livres para escolher o método de distribuição dos seus produtos, “ou seja, como os usuários acessam seus produtos”.

Em uma economia libertária, os modos de distribuição mais sociais serão valorizados. O objetivo de Antonini é alcançar uma sociedade capaz de “criar uma adesão livre e generalizada ao trabalho livre e voluntário”, o que eliminaria os custos materiais e permitiria o fornecimento livre e gratuito de produtos. Até chegarmos a esse ponto, no entanto, os “produtores organizados” terão que “optar por formas mais econômicas de distribuição” para “recuperar os custos de produção”.

Aqui, estamos perto do “tirar da pilha” de Kropotkin. Contudo, mesmo que o trabalho fosse livre e voluntário (o que implica que as pessoas pudessem ter acesso gratuito aos produtos necessários à sua subsistência), esse trabalho seria muitas vezes feito com máquinas e produtos extraídos do solo, vegetais ou minerais, o que necessariamente envolve custos de produção.

Ainda faltam alguns capítulos sobre a questão dos preços, do dinheiro e das trocas com as economias de dominação. Este último capítulo nos revela a intenção do autor em seu pequeno livro. Se uma sociedade libertária quiser se estabelecer o mais amplamente possível, ela terá que decidir se mantém relações com “partes do mundo que ainda não são libertárias”.

Este capítulo ignora o fato de que as chamadas economias de “dominação” provavelmente não estarão dispostas a se envolver com uma sociedade libertária ou em transição para o socialismo libertário. É muito mais provável que lhe sejam hostis e lutem contra esse projeto de emancipação.

Em resumo, as condições das trocas que serão estabelecidas terão que respeitar uma série de critérios sociais e éticos. De fato, o livro Por uma economia libertária lança as bases para pensar em determinar um verdadeiro programa de transição. Antonini nos mostra em diversos momentos que as propostas que faz muitas vezes já são aplicadas no sistema atual, mesmo que de forma atenuada.

Por exemplo, quando o autor diz que numa sociedade libertária a “propriedade autogerenciada de empresas” não é cambiável num mercado, ele especifica que ainda hoje os títulos de propriedade das cooperativas não são livremente negociáveis. Falando em crédito, ele ressalta que o financiamento coletivo está em alta e que a economia libertária manteria essas modalidades. Sobre os mercados financeiros, ele nos informa que sua ausência ou quase ausência já existiria em larga escala – mais uma vez encontramos Proudhon. Aqui, entretanto, Antonini se encontra em contradição com o que ele disse sobre a revalorização do poder de compra da poupança…

Antonini explica sua abordagem quase no fim de seu texto, em uma passagem que me parece a mais interessante da obra:

“A economia libertária não é uma criação ex nihilo. As sementes da economia e da sociedade libertária podem ser encontradas inteiramente na economia e na sociedade de hoje. Não há necessidade de pensar em nada rebuscado: quase tudo já está lá, na realidade e em potencial. Quase tudo está aberto ao escrutínio e ao desenvolvimento.” (p. 71)

Não há dúvida de que esta declaração chocará muitos os libertários mais radicais (ou dogmáticos). No entanto, é perfeitamente consistente com a história europeia e levanta a questão da transição entre o regime capitalista e uma sociedade livre da exploração. Ao contrário da crença popular, pensadores como Proudhon, Bakunin e Cornelissen disseram a mesma coisa: ninguém passa de um regime para outro num passe de mágica. Bakunin diz simplesmente que essa transição não deve ocorrer sob o domínio do Estado.

* * * * * *

Há uns anos, após um congresso da Federação Anarquista, alguns camaradas decidiram se reunir para discutir o desenvolvimento do que foi designado como “Programa Mínimo de Base” ou “PMB”. Infelizmente, a ideia logo fracassou, apesar de um começo muito promissor. A origem dessa iniciativa foi a constatação de que a propaganda anarquista parte de uma visão (nem sempre muito clara) do objetivo (maximalista) a ser alcançado, sem que o processo para alcançá-lo seja mencionado, o que de fato anula toda credibilidade do discurso anarquista. Houve pelo menos um precedente para um “programa de transição”, o da CGT-SR nas décadas de 1920 e 1930.

Talvez o livro de Antonini pudesse servir de ponto de partida para retomar esse projeto.

René Berthier

tradução: Daniel Falkemback

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