Cozinhas Comunistas, de Piotr Kropotkin

“Deixe qualquer grande cidade ser atingida amanhã por uma calamidade – um cerco, ou algo parecido – e você verá que imediatamente a ideia comunista virá a se afirmar na vida. A questão do ‘pão’, da comida para todos, se imporá à comunidade, enquanto a questão da remuneração dos serviços prestados por este ou aquele membro da sociedade ficará em segundo plano. As necessidades de cada um serão o direito de cada um à sua parte no estoque comum dos alimentos disponíveis.”

Isto é o que anarquistas estavam ensinando a todos durante esses anos enquanto economistas eruditos repetiam a fórmula burguesa: “A cada um de acordo com seus serviços”.

Agora, a Europa Ocidental está vivendo um período de calamidade, e vemos como a ideia de cozinhas comunistas está se espalhando rapidamente por toda parte, como um primeiro pequeno passo em direção a uma concepção comunista de organização.

Em Paris, o sindicato de cocheiros e motoristas abriu seu Popotte communiste, “popotte” sendo a gíria para um pequeno restaurante. É claro que ainda é apenas uma pequena ação, mantida voluntariamente por mulheres e homens. Seus meios são limitados, e tudo o que podem fazer no momento é distribuir refeições grátis – pagas por quem pode pagar e grátis para aqueles que não podem – trezentos almoços e trezentos jantares servidos todos os dias.

“Mas, devemos recusar uma refeição se uma mulher cujo marido não pertence ao nosso sindicato vier nos pedir para lhe dar uma refeição para ela e seus filhos?” Esta foi a pergunta que os organizadores do Popotte tiveram que se fazer no primeiro dia em que o abriram; e sua resposta obviamente foi esta: “Claro que não vamos recusar! Diremos, pelo contrário, que ela é bem-vinda. O máximo que podemos fazer é pedir algum tipo de garantia de que aqueles que reivindicam uma refeição grátis não são impostores.” E o resultado é que metade das refeições gratuitas servidas todos os dias são dadas a pessoas absolutamente estranhas ao sindicato.

“Sim, a caserna! Nós as conhecemos!” nos disseram nossos críticos. “E se há quem por algum motivo prefira fazer as refeições em casa e comer com a família, como vocês vão organizar isso? Vocês vão enviar as refeições para as casas?” E quando respondemos que a cozinha comunista encontraria facilmente maneiras de distribuir as refeições, os sabichões riram até o fundo de seus corações dessas “utopias anarquistas”.

E lemos hoje no Guerre Sociale, um artigo de Emile Pouget, que aponta que isso já é feito em Paris, em um restaurante muito conhecido, o Ledoyen, e esse restaurante foi transformado em cozinha para as esposas dos combatentes. Todos os dias são servidas e distribuídas nada menos que 2.400 refeições, compostas pela habitual culinária popular do restaurante, a ordinaire – ou seja, um sopa com carne e legumes, tudo da melhor qualidade. Uma sala especial no mesmo estabelecimento é reservada para o uso daquelas mulheres que preferem ir para lá para realizar seus trabalhos, ao invés de se sentarem em seus quartos, onde tudo lembra seus queridos ausentes.

“Mas esta é uma questão secundária”, dizem os organizadores. “Nosso principal objetivo é garantir alimentos para o maior número possível de pessoas.” E para atingir este objetivo foi iniciado o envio das refeições as casas.

Das 2.400 refeições servidas todos os dias, apenas cerca de uma centena são comidas no restaurante; o restante é enviado. Carros motorizados distribuem os jantares nos 8º, 9º, 11º, 13º, 16º, 17º, 18º e 20º arrondissements de Paris, como também em dois subúrbios. A ordinaire é colocada em grandes caixas de leite, cada uma contendo sessenta refeições, e os automóveis distribuem rapidamente suas cargas.

Só este restaurante poderia fornecer, dizem os organizadores, 20.000 refeições por dia. “Apenas nos enviem as demandas, nos deem os endereços!”

É assim que a própria vida ensina a lição comunista contra a qual os jornalistas burgueses lançaram tantas críticas e zombarias. As necessidades da vida diária, de fato, nos obrigam a organizar, em todos os lugares, cozinhas comunistas, onde uma comida saborosa e sólida pode ser obtida, tanto a baixo preço para aqueles que ainda podem pagar por isso, quanto de graça para aqueles que não podem e que não se importam em pedir caridade a seus exploradores.

É por isso que nossos camaradas começam a criar cozinhas comunistas em todos os lugares. Camaradas iídiches e russos em Whitechapel, franceses e alemães nas áreas centrais de Londres, já começaram a organizar essas cozinhas com seus meios extremamente limitados. Muito provavelmente um movimento semelhante está acontecendo nas Provinces, e as modestas cozinhas comunistas certamente ampliarão gradualmente o escopo de suas atividades (escritórios de apoio a trabalhadores, salas de leitura etc.).

Portanto, muitos camaradas estão certos de ver em tais cozinhas o meio de manter contato uns com os outros, como também o meio de provar aos trabalhadores que no trabalho construtivo os anarquistas podem ser práticos e ir além daqueles que o pretendem ser, mas não agem e assim sufocam todo pensamento revolucionário. Uma boa propaganda da ideia comunista já está sendo feita por esse suprimento de alimentos, e a comunalização de moradias e roupas pode acontecer muito em breve.

P.K.

Fonte: Freedom, setembro 1914.

Tradução: Adriano Skoda