O Sistema Educativo em Rojava

Uma entrevista com Dorşin Akif – por Derya Aydın
(Traduzido para espanhol por Rojavanosestásola. Tradução para o português: Rosa Silva)

Educação em Rojava: Academia e Pluralística contra a Universidade e o Monismo

8d967de4fb0deac392e6fc1838a87d15_LPor um lado, nas comunidades de Rojava (Kobanê, Efrîn y Cizîrê) continuam resistindo contra o brutal “Estado Islâmico”, também conhecido como ISIS – Estado Islâmico de Iraque e Sham. Por outro, tentam construir uma vida social. As instituições de educação estão abertas nas três cidades de Rojava e oferecem um novo modelo educacional. Os idiomas principais de ensino são: curdo, árabe, sírio e outros. E este modelo de educação em muitas línguas tem o objetivo de romper com a política linguística monolítica do regime batista na Síria. Nesta entrevista com Dorsin Akif, professora de Jineologia1 da Academia de Ciências Sociais da Mesopotâmia, situada em Cizîrê, conversamos sobre as instituições de educação e academias e seus planos para o futuro. Akif disse que “as perspectivas principais na educação são o paradigma das bases da democracia, a economia-ecológica e a emancipação de gênero”, e também explicou porque utilizam o termo “academia” ao invés de “universidade”.

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Você pode falar dos desenvolvimentos na educação que começaram com a Revolução de Rojava?
Antes de tudo, deveríamos lembrar que o Líder do Povo Curdo, Abdullah Ocalan, teve um impacto na tradição revolucionária em Rojava. Colocamos muito esforço na emancipação das mulheres. Toda pessoa que vai à academia, incluindo adultas de 70 anos até meninas de 7 anos, foram educadas de uma maneira ou outra. Isto criou em si uma tradição. Sendo assim, a revolução dos “curdos livres” e das “mulheres livres” do movimento de libertação do Curdistão trouxeram uma mudança e uma transformação significativas nesta região nos últimos três anos.
Há dois tipos de educação em Rojava, uma é a “educação pública” que é proporcionada principalmente pelas academias. A outra é a “educação escolar”, que é proporcionada principalmente pelas instituições do estado. O estado tem uma política monopolista na educação escolar e nós tentamos mudar o plano de estudos e desenvolver um novo. Este ano preparamos livros para pré-escola, creches e para o primário.
O funcionamento de todas as escolas depende do ministro de educação da região. Entretanto, ainda não fizemos mudanças em todos os livros. O que tentamos fazer é transformar o programa escolar para certos cursos e liberar a educação do controle do governo e entregá-la às pessoas. O povo não controla a educação escolar, o estado ainda continua a realizar sua educação.
Para maiores detalhes sobre a educação nas academias, podemos dizer que incluem o ensino para a construção da vida social, mudança e transformação social e, também, ensina às pessoas a dirigir instituições sociais. A perspectiva fundamental nesta educação está baseada no paradigma democrático, na economia-ecológica e na emancipação de gênero. Criamos um sistema diferente da educação desenvolvida pelo estado-nação, acreditamos que a produção de conhecimento deveria ser devolvida à sociedade. E isso mudará tudo, desde os métodos de educação, utilizando os edifícios e até a construção da vida diária na academia. Os diretores e professores nas escolas do estado ao invés de educar as pessoas foram sempre alguém de quem todos têm medo. Somos diferentes deles, estabeleceremos uma relação baseada na igualdade e na amizade.
No sistema de educação estatal se estabelece um programa escolar único que é aplicado em todas as escolas. O ponto principal da educação do estado é que o indivíduo pertence ao estado. E aí está no que somos diferentes. Estamos tentando construir um sistema onde podemos educar-nos a nós mesmas e desenvolver conhecimento. Queremos pertencer a nós mesmas, nossa sociedade, e entender a realidade social. Somos diferentes da educação do estado no sentido de que nós minimizamos o poder estatal e empoderamos a sociedade civil.

Como se constrói a educação nos cantões2: são os mesmos modelos educacionais em cada região ou há diferenças?
Cada cantão se esforça para construir seu próprio sistema educacional em sua própria estrutura social. Claro que há um objetivo em comum em termos de paradigma. Este objetivo compartilhado é o paradigma democrático, de economia-ecológica e emancipação de gênero. Entretanto, a composição de cada cantão é diferente. Por exemplo, o de Cizîrê é um exemplo da coexistência das sociedades do Oriente Médio, por isso a educação ali se molda como consequência. Kobane e Efrin também são diferentes. Posso dar um exemplo em termos de idioma: os idiomas sírio, curdo e árabe são ensinados na educação escolar no cantão Cizîrê. Se há uma criança árabe, ela é ensinada no idioma árabe; os cursos de idiomas em curdo e sírio serão opcionais a esse/essa estudante. Os meninos e meninas aprendem nestas línguas baseadas em suas identidades étnicas e sua educação é baseada em sua estrutura social. Entretanto, este não é o caso no cantão de Efrin porque ali vivem principalmente pessoas curdas e árabes. O cantão de Efrin preparou livros até a oitava série; já o cantão de Cizîrê preparou somente até o quarto ano, devido à existência de diferentes estruturas étnicas necessitam encontrar bases comuns.
As academias públicas também estão se desenvolvendo nesta base. Por exemplo, há atualmente Academias de Ciências Sociais de Mesopotâmia no cantão de Cizîrê. Esta não está aberta em outras regiões. A situação é diferente em Kobane, obviamente, devido à guerra.

Por que se utiliza o termo “Academia” ao invés de “Universidade”?
Boa pergunta. A definição de universidade baseia-se em grande medida no sistema. Quando as universidades se estabeleceram pela primeira vez pode ser que tenham sido pensadas para serem independentes do sistema central. Porém, hoje em dia as universidades se converteram em geral nas instituições nas quais o estado se organiza. Ao contrário, a academia é uma área onde a sociedade constrói seu próprio poder intelectual. Mantém sua existência como uma área onde se produz conhecimento e ciência por si mesma. Assim, vimos ser mais apropriado chamar de “academia”.

Quais as diferenças das Academias em relação aos modelos do Ocidente e do Oriente Médio?
De fato, a principal diferença pode ser explicada com esta pergunta: “Como quer viver a sociedade?” Temos um modelo educacional que responde a esta questão. Incorpora a tradição educacional do Oriente Médio; mas também incorpora a tradição de pesquisa do Ocidente. Em primeiro lugar, não construímos o conhecimento sobre bases do conhecimento ocidental. O conhecimento é realizado com base nas dinâmicas da sociedade. Por exemplo, uma mãe que tem 70 anos ensina história oral na Academia de Ciências Sociais da Mesopotâmia. Chamamos de história oral, mas em geral ela fala de suas experiências na história recente, as histórias dos mais jovens na luta pela liberação, as épicas, as palavras que desapareceram ou foram forçadas a desaparecer devido à repressão. Vou dar-lhe outro exemplo: não existe memorização nesta educação e nos colocamos estas questões: O conhecimento obtido pelo estudante na escola será útil na vida e na estrutura social, fará a vida melhor? O conhecimento obtido pelo indivíduo relaciona-se com sua própria sociedade ou o conhecimento é construído pela modernidade que leva ao individualismo? É um esforço produzir conhecimento baseado no entendimento, na explicação e no compartilhar experiências de vida. Assim, trata-se de um tipo de aprendizagem que vai além dos limites estáticos das relações professor-aluno nas tradições do Oriente Médio e do Ocidente, e permite transformar essas relações estáticas periodicamente.
Um exemplo mais: em ambas as tradições os estudantes em geral são questionados e categorizados por meio de exames, certo? Há uma proposta diferente em relação a este ponto. Depois de cada aula o estudante critica o método do professor. Ao final do ensino, os resultados da aprendizagem são documentados não só pelo professor, mas também pelo/pela estudante. Os/as estudantes passam pela crítica e a autocrítica em frente a todos os estudantes. Decidem dentro de seu grupo de amigos como se envolverão na vida social.

Existem academias de mulheres. Pode nos falar delas? O que se diferencia em termos de educação?
As mulheres, que são por nós consideradas como poder social, se identificam nas academias e tentam entender seu lugar na história. As mulheres não têm lugar na estrutura social construída. As instituições sociais foram identificadas pelos homens. O importante para nossas academias é nos desfazer dessas definições. Para isso é necessário ter uma mudança na estrutura social que está construída pela mentalidade e pelo discurso masculino. E isto requer que a educação seja tecida pela identidade das mulheres.
No sistema patriarcal de educação deve haver um limite de idade e as classes são desenhadas de acordo aos grupos de idade, não? Mas esta situação é diferente aqui. Por exemplo, quando tivemos uma sessão educativa para a Assembléia de Yekitiya Star, algumas de nossas amigas deram aulas juntas com suas mães. Algumas mulheres tinham 60 anos, enquanto outras tinham 18. Vemos que há um vazio geracional como resultado das estruturas de poder. Estes são problemas que surgem ao nos limitarmos uns aos outros. Nas relações livres, por outro lado, a idade não é um problema, é uma questão de compartilhar experiência. É importante ver a experiência de uma pessoa de 60 anos como um poder, mas essa experiência deve ser compartilhada e deve transformar o meio que nos rodeia. Similarmente, uma pessoa educada na escola do sistema ganha um status maior na sociedade. Porém, em nossas academias o fato de ser educado não te dá um status superior. A educação é uma questão de contribuir com a vida e nas relações sociais. Não é considerada como status, mas sim como uma qualificação que necessita ser compartilhada.
Devido ao fato de que nossa academia de mulheres se dirige a todo o cantão, a maioria da educação acontece em sessões educativas fechadas. O que significa que as pessoas que assistem podem ficar. Assim, tudo se faz juntas. Cada noite um grupo de estudantes mantém guarda para a segurança das estudantes na academia. A vida diária começa com esporte pela manhã. Depois começam as aulas. Uma vez que as aulas do dia terminam, iniciam-se as aulas da tarde com notícias. As aulas da tarde são, geralmente, visuais, tentamos completar as aulas com cinema alternativo ou documentários.

Quão difundidas estão as academias agora em Rojava?
Todas as nossas academias foram construídas junto com outras necessidades sociais. As Academias de Autodefesa são comuns. Existem Academias de Mulheres, Academias de Jovens, Academias de Segurança, Academias de Economia, Academias de Ideias e Pensamento Livre, Academias da Cidade, Academias de Lei, Sociologia, História, Línguas e Literatura, Academias de Política e Diplomacia, e há Comitês Educacionais, os quais estão em contato com estas academias todo o tempo e existem em todas as comunidades. Cada cidade tem sua Academia de Ideias e Pensamento Livre. Além disso, há academias estabelecidas pelas instituições para empregados. Estas são em nível de cantão. Mas também existem academias de defesa e academias e escolas de profissionalização em cada tema.

Quais são os planos e programas de educação futuros?
Em primeiro lugar, nosso objetivo é permitir que o sistema escolar seja transportado para a sociedade. Como dissemos no início, acrescentamos algumas aulas e saberes, e interferimos nas aulas de Nacionalismo e História que eram dadas pelo estado. Entretanto, é necessário haver mudanças radicais em outras aulas. Fizemos algumas mudanças quanto ao gênero nos livros de pré-escola e creches. Mas não é o suficiente. A mentalidade que se impõe aos meninos e meninas através do antigo sistema de educação deve mudar. Isso é o que temos que fazer primeiro.

Fonte: Kurdish Question

El sistema educativo en Rojava