Embora os anarquistas não tivessem desempenhado um papel ativo no levantamento de Kronstadt, o regime aproveitou o seu esmagamento para banir uma ideologia que continuava a atemorizá-lo. Algumas semanas antes, a 8 de fevereiro, o velho Kropotkin morrera na Rússia, e o seu funeral constituirá imponente manifestação popular, acompanhado por cerca de cem mil pessoas. Misturadas com as bandeiras vermelhas do comunismo, flutuavam as bandeiras negras do anarquismo, onde se lia, em letras de fogo: “Onde há autoridade não há liberdade”. Os biógrafos de Kropotkin relatam que esta foi a “última grangativas, não se pode evitar a implantação da hierarquia de funde manifestação contra a tirania bolchevista”.
Em seguida ao esmagamento de Kronstadt, foram presos centenas de anarquistas. Meses mais tarde, um libertário, Fanny Baron, e oito de seus camaradas eram fuzilados nas caves da prisão da Tcheka, em Moscou.
O anarquismo militante recebera seu golpe de misericórdia. Mas fora da Rússia, os anarquistas, que viveram a Revolução Russa, empreenderam um vasto trabalho de crítica e revisão doutrinárias, que revigoraram e tornaram mais concreto o pensamento libertário. Desde princípios de setembro de 1920, o congresso da aliança anarquista da Ucraínia, chamada Nabat, tinha rejeitado categoricamente a expressão “ditadura do proletariado” por compreender que ela conduziria inexoravelmente à ditadura de uma fração do proletariado, entrincheirada no Partido e constituída por funcionários e um punhado de chefes, sobre a massa proletária. Pouco antes de falecer, Kropotkin, numa Mensagem aos trabalhadores do Ocidente, denunciou com angústia o estabelecimento crescente de uma “formidável burocracia”: “Para mim, esta tentativa de edificar uma república comunista em bases estatais fortemente centralizadas, sob a lei de ferro da ditadura de um partido, redundou num fiasco retumbante.
A Rússia nos ensina como não deve estabelecer-se o comunismo”. No seu número de 7-14 de janeiro de 1921, o jornal francês Le Libertaire publicava um apelo patético dos anarcosindicalistas russos ao proletariado mundial: “Camaradas, terminai com a dominação da vossa burguesia, tal como nós fizemos aqui. Mas não repitais os nossos erros: não deixeis que o comunismo de Estado se estabeleça nos vossos países!”
No mesmo tom, o anarquista alemão Rudolf Rocker redigiu em 1920 e publicou em 1921 A Bancarrota do Comunismo de Estado, que constitui a primeira análise política a ser feita sobre a degenerescência da Revolução russa. A seu ver, não era a vontade de uma classe que encontrava expressão na famosa “ditadura do proletariado“, mas a ditadura de um partido pretendendo falar em nome de uma classe e apoiando-se na força das baionetas. “Sob o nome de ditadura do proletariado desenvolveu-se na Rússia uma nova classe, a comissariocracia, que exerce uma opressão semelhante à do antigo regime”. Subordinando sistematicamente todos os elementos da vida social à onipotência de um governo dotado de todas as prerreacionários, que foi fatal à Revolução russa”. “Os bolcheviques não só copiaram o aparelho de Estado da antiga sociedade, como lhe deram um poder de que nenhum outro governo se pode arrogar”.
Em junho de 1922, o grupo de anarquistas russos asilados na Alemanha publicou, em nome de A. Gorielik, A Komof e Volin, um opúsculo revelador, intitulado La Répression de l’anarchisme en Russie soviétique (na tradução francesa, da autoria de Volin, aparecida em 1923). Este livro constitui um martirológio do anarquismo russo, alfabeticamente classificado. Alexandre Berkman, em 1921 e 1923, e Emma Goldman, em 1922 e 1923, publicaram uma série de brochuras sobre os dramas a que haviam assistido na Rússia. Também Pierre Archinov e Nestor Makhno, que conseguiram asilar-se no Ocidente, escreveram seus depoimentos.
Muitos anos mais tarde, durante a segunda guerra mundial, foram produzidas, com a maturidade de espírito e análise que a perspectiva dos anos confere, duas grandes obras clássicas da literatura libertária sobre a Revolução russa: a de G. P. Maximof e a de Volin.
Para Maximof, cujo livro apareceu originalmente em inglês, as lições do passado asseguram a certeza de um futuro melhor. A nova classe dominante na URSS não pode e não deve viver eternamente. O socialismo libertário lhe sucederá. Condições objetivas conduzem a esta evolução: “É concebível (…) que os trabalhadores queiram a volta dos capitalistas nas empresas? Jamais! Eles revoltam-se é precisamente contra a exploração do Estado e dos seus burocratas”. O objetivo dos trabalhadores é substituir esta gestão autoritária da produção pelos seus próprios conselhos de fábrica e unir os conselhos numa vasta federação nacional. O que eles ambicionam é a autogestão operária. Do mesmo modo, os camponeses compreenderam que já não se pode voltar à economia individual, e que a única solução tem de ser procurada na agricultura coletiva, na colaboração das coletividades rurais com os conselhos de fábrica e os sindicatos: numa palavra, na expansão do programa da Revolução de Outubro com liberdade.
Qualquer tentativa inspirada no exemplo russo, afirma Volin, resolutamente, terá de redundar num “capitalismo de Estado baseado numa odiosa exploração das massas”, o “pior dos capitalismos”, que não tem absolutamente nenhuma relação com a marcha da humanidade para a sociedade socialista”. O exemplo russo apenas promoverá “a ditadura de um partido, que conduz irrefutavelmente à repressão de toda a liberdade de opinião, de imprensa, de organização e de ação, mesmo para as correntes revolucionárias, salvo para o partido no poder”, e conduz “a uma inquisição social”, que afoga “a respiração da própria Revolução”. Volin termina dizendo que Stálin “não caiu da Lua”. Stálin e o stalinismo são, a seu ver, a consequência lógica do sistema autoritário fundado e estabelecido de 1918 a 1921. “Tal é a lição mundial da extraordinária e decisiva lição da experiência bolchevista, lição que fornece um poderoso apoio à tese libertária e que será em breve, à luz dos acontecimentos, compreendida por todos aqueles que padecem, sofrem, pensam e lutam”.