Socialismo

INFORMAÇÕES:
Título: SOCIALISMO
Autor: PIOTR KROPOTKIN
Editora: BIBLIOTECA TERRA LIVRE & INTERMEZZO
Idioma: português
Encadernação: Brochura
Dimensão: 21 x 14 cm
Edição: 1ª
Ano de Lançamento: Fevereiro de 2021
Número de páginas: 184
Preço: R$ 45,00

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APRESENTAÇÃO:

A presente obra inaugura a coleção de livros com escritos de Piotr Kropotkin que serão publicados pela Intermezzo editorial e Biblioteca Terra Livre a partir de 2021. A data não foi escolhida ao acaso, marca o centenário da morte de Piotr Kropotkin (1842-1921) e se insere em um esforço global de reencontro com a produção teórica, a memória e militância deste que foi um dos mais destacados anarquistas de sua época.

Odiado por governos, políticos (de direita e esquerda), capitalistas, assim como por cientistas e teóricos tacanhos, Kropotkin viveu grande parte de sua vida entre o exílio (de 1876 a 1917) e as prisões (1872-1876 e 1882-1886). Perseguido em quase todos os países pelos quais passou, foi vigiado de perto pelas autoridades locais, especialmente pelo risco que sua enorme capacidade de mobilização dos oprimidos trazia e por suas ideias apontarem caminhos possíveis para a revolta, na busca por dignidade e bem- -estar para todos.

Mesmo quando não era possível estar presencialmente nas lutas sociais, Kropotkin inspirava a revolta e a revolução com seus escritos curtos, diretos e precisos, traduzidos a quase todos os idiomas e impressos aos milhares nos cantos mais longínquos do planeta. Seria um exagero acreditar que este autor, hoje quase desconhecido, pudesse ter tamanha importância e reconhecimento não fossem as infindáveis referências de militantes do passado ou de historiadores do presente apontando a presença de seus textos (livros, panfletos, artigos de jornais) em bibliotecas e arquivos de diferentes partes do mundo.

Se sua influência nas lutas sociais no continente europeu eram evidentes, como aponta o historiador Carlos Díaz, uma vez que o livro A Conquista do Pão era uma das cinco obras mais lidas pelo proletariado espanhol no começo do século XX — com uma tiragem, em 1909, de 58.000 exemplares pela editora F. Sempere —, também no contexto brasileiro esta e outras obras influenciaram a luta operária daquele momento. Segundo relatos de militantes como Florentino de Carvalho, José Oiticica, Fábio Luz e Maria Lacerda de Moura, os escritos de Kropotkin foram fundamentais para suas formações político-ideológicas. Histórias análogas a estas podem ser encontradas por quase todos os territórios, uma rápida pesquisa em jornais operários e revolucionários do final do século XIX e início do século XX da Argentina, Chile, Peru, Costa Rica, México, Cuba, Estados Unidos, Canadá, Japão, China, Austrália, Índia, Rússia, Ucrânia, permite rapidamente identificar o nome de Kropotkin em suas páginas e compreender a relevância do autor naquele período.

Como explicar então o quase desaparecimento das referências a Kropotkin e de suas ideias do imaginário político-social na segunda metade do século XX e começo do XXI?

Seguramente as duas grandes guerras, o avanço do nacionalismo, a polarização político-ideológica entre dois projetos hegemônicos nos mais diferentes campos político-sociais (Estado, universidade, cultura etc.), a perseguição policial e a criminalização de corpos e mentes dissidentes reduziram o alcance das ideias anarquistas e tentaram relegá-las a um documento do passado.

O esforço deste trabalho editorial se concentra então em escavar os escombros, revirar os entulhos e abrir espaço para que estas palavras impressas há mais de 100 anos possam encontrar leitoras que avaliarão por si próprias a pertinência — ou não — deste autor. São textos publicados originalmente em jornais operários, brochuras ou cartas. Grande parte destes nunca antes publicada em formato de livro, seja em português ou outro idioma.

Este primeiro título, Socialismo, realiza um trabalho análogo àquele realizado por Élisée Reclus para a publicação de dois dos principais livros de Kropotkin, Palavras de um revoltado (1885) e A Conquista do Pão (1892), no qual o militante anarquista francês selecionou e reuniu alguns do principais escritos de seu amigo russo publicados entre 1879 e 1892 nos jornais anarquistas Le Révolté e La Révolte. Estes jornais, fundados por Kropotkin, contaram com o trabalho editorial do próprio Reclus e, principalmente, de Jean Grave.

Dos 22 artigos presentes nesta seleção, somente o primeiro foi publicado no La Révolte antes de seu fechamento em 1894, todos os demais apareceram no Les Temps Nouveaux, jornal criado por Grave que sucedeu o La Révolte em 1895. Cabe destacar a influência e importância destes orgãos de propaganda anarquista uma vez que o Le Révolté teve início em Genebra, no exílio pós-Comuna de Paris, com uma tiragem inicial de 3.000 exemplares e o jornal Les Temps Nouveaux, impresso em Paris, de 1895 a 1921, teve uma tiragem entre 7.000 e 18.000 exemplares por edição.

É neste período, do final do século XIX e começo do século XX, que os movimentos revolucionários de diferentes vertentes retomaram a construção de estratégias de atuação política para a revolução social. As décadas de 1870 e 1880 foram marcadas pela repressão e perseguição política a partir da Comuna. O banho de sangue promovido pela França e Alemanha para conter a revolução social e o terror oficial desestabilizou o movimento operário que voltou a se articular numa perspectiva de classe mais sólida a partir da década de 1880. É neste contexto que Kropotkin retoma as discussões sobre as estratégias da luta operária para a emancipação social, construídas de forma mais sistemática a partir da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) em 1864.

Este conjunto de textos apresenta um esforço teórico de Kropotkin de retomar a perspectiva combativa e plural do socialismo que levou a criação da AIT, definindo-o em 1895 da seguinte forma:

Era socialista aquele que reconhecia que tudo o que é necessário para trabalhar à satisfação das múltiplas necessidades da sociedade, deve retornar à própria sociedade, e isso a curto prazo. (p. 26)

O socialismo é então a reivindicação da riqueza social para as mãos daqueles que a produzem. É a expropriação, aqui e agora! O combate à propriedade privada! Não um modelo de governo transitório — como passou a ser compreendido por socialistas e comunistas de Estado a partir do início do século XX — adepto da farsa eleitoral e freio da revolta social, que promete um metafísico futuro comunista, entregue ao povo pelas mãos dos senhores do partido.

Para Kropotkin era claro que o socialismo enquanto modelo de governo jamais conseguiria absorver os “mil movimentos que buscam demolir essas condições [econômica e política], inspirando-se vagamente nessa ideia fundamental de socialismo: ‘As riquezas já produzidas e os meios para produzir novas deveriam pertencer à sociedade, não ao indivíduo’. Movimentos que buscam, cada um em seu domínio, os meios para alcançar esse objetivo, e cujo próprio objetivo determina-se e precisa-se à medida que se trabalha para alcançá-lo.” (p. 98)

Kropotkin compreende neste contexto que a luta socialista não se restringe à luta operária, “há toda essa multidão de revoltados que, aqui pessoalmente, lá em grupos, revoltam-se contra todas as iniquidades sociais e políticas, que se sacrificam para despertar a sociedade adormecida e, por seus atos, atacam tudo: a exploração, a servidão sob todos os seus aspectos, a moral hipócrita.” (p. 100) Reconhece já em 1895 que “a liberação do indivíduo dos costumes, a liberação da mulher, os movimentos éticos etc.” (p. 100) integram a luta socialista e esta só poderá seguir avançando se retomar o horizonte da revolução social.

Este alerta de Kropotkin aos socialistas e comunistas de Estado reverbera e pode ser sentido ainda hoje, quando partidos e políticos profissionais, em busca de novos sucessos eleitorais, incorporam pautas das lutas sociais que emergem desde o povo e transformam estas em projetos de governo. Não, a libertação das mulheres, negros, indígenas, oprimidos no geral, não será obra das “boas” leis. Os socialistas e comunistas de Estado esquecem o lema da própria AIT que dizia que a emancipação dos oprimidos será obra deles mesmos, não de políticos, intelectuais e menos ainda de leis mortas.

Desta forma, a leitura dos escritos de Kropotkin refresca a compreensão desta palavra tão desgastada pelo mau uso que tem sido feito dela, e novamente a coloca como uma ideia ampla, generosa e atual, que se renova com as novas lutas sociais, ampliando seus horizontes e apontando outros futuros.

Kropotkin morreu há 100 anos, contudo, segue vivo entre nós!