V. Carta aos trabalhadores da Europa Ocidental – 10 de junho de 1920.

Dimitrov , província de Moscou.

Perguntaram-me se tinha uma mensagem para dirigir aos operários do mundo ocidental. Sem dúvida, há muito que dizer e que aprender dos acontecimentos atuais na Rússia. Como a mensagem poderia se tornar muito longa, indicarei somente os pontos principais.

Em primeiro lugar, os operários do mundo civilizado e seus amigos das demais classes devem obrigar seus governos a abandonarem por completo a ideia de uma intervenção armada nos assuntos da Rússia, seja de forma aberta ou disfarçada, militar ou econômica.

A Rússia atravessa neste momento uma revolução da mesma profundidade e importância que as da Inglaterra em 1639-1648 e França em 1789-1794. Todas as nações devem se negar a cumprir o papel odioso a que se rebaixaram a Inglaterra, Prússia, Áustria e Rússia durante a Revolução Francesa.

Além disso, deve levar-se em conta que a Revolução Russa — que tende a construir uma sociedade em que tudo o que for produzido graças aos esforços combinados do trabalho, habilidade técnica e conhecimentos científicos vá integralmente para a comunidade — não é um simples acidente na luta dos partidos. Foi preparada por cerca de um século de propaganda comunista e socialista, desde os tempos de Robert Owen, Saint-Simon e Fourier. E embora a tentativa de estabelecer a nova sociedade por meio da ditadura de um partido esteja aparentemente condenada ao fracasso, deve-se reconhecer que a revolução já introduziu em nossa vida cotidiana novas concepções sobre os direitos do trabalho, sua verdadeira posição na sociedade e os deveres de cada cidadão, e tudo isto vai subsistir.

Não só os operários, mas todos os elementos progressistas das nações civilizadas devem por fim ao apoio dado até hoje aos adversários da revolução. Não é que não haja nada a combater nos métodos do governo bolchevique. Pelo contrário! Mas qualquer intervenção armada de uma potência estrangeira necessariamente produz um reforço das tendências ditatoriais dos governantes e paralisa os esforços daqueles que, no interior, estamos dispostos a ajudar a Rússia, independentemente de seu governo, a restaurar sua vida.

Os males inerentes à ditadura de um partido foram incrementados pelas condições de guerra em que esta se mantém. O estado de guerra foi um pretexto para reforçar os métodos ditatoriais do partido assim como sua tendência para centralizar cada detalhe da vida em mãos do governo, o que deu como resultado a interrupção de grande quantidade das atividades habituais da nação. Os males

naturais do comunismo de Estado se multiplicaram aqui por dez, a pretexto de que todas as misérias de nossa existência se devem à intervenção estrangeira.

Devo assinalar, por outro lado, que se a intervenção militar dos aliados continua, sem dúvida fará nascer na Rússia sentimentos hostis para com as nações ocidentais, que serão utilizados nos conflitos futuros. Esta hostilidade já está nascendo.

Em resumo, já é hora das nações da Europa Ocidental entrarem em relações diretas com a nação russa. E, a partir desse ponto de vista, vocês, da classe operária, e os elementos avançados de todas as nações deveriam levantar suas vozes.

Uma palavra ainda sobre outra questão geral. O restabelecimento de relações entre as nações europeias e americanas e a Rússia não significa de modo algum a supremacia da nação russa sobre as nacionalidades que compunham o império dos czares. A Rússia imperial morreu e não ressuscitará. O futuro de suas diferentes províncias se orienta no sentido de uma grande federação. Os territórios naturais das diferentes partes desta federação são completamente diferentes, como sabem os que conhecem a história da Rússia, sua etnografia e sua vida econômica. Todos os esforços para reunir sob uma lei central as partes constitutivas do império russo — Finlândia, as províncias bálticas, Lituânia, Ucrânia, Geórgia, Armênia, Sibéria, etc. — estão inevitavelmente destinados ao fracasso. É conveniente, portanto, que as nações ocidentais declarem seu reconhecimento do direito à independência de cada parte do antigo império russo.

Minha opinião é que esta evolução continuará. Vejo chegar a hora, proximamente, em que cada parte desta federação será ao mesmo tempo uma federação de comunas rurais e cidades livres. E acredito também que certas partes da Europa Ocidental logo seguirão este caminho.

No que diz respeito à nossa atual situação econômica e política, a Revolução Russa é a continuação das duas grandes revoluções da Inglaterra e da França e tenta avançar a partir do ponto em que a França se deteve, isto é, no terreno do que se chamava a “igualdade de fato”, a igualdade econômica.

Infelizmente, esta tentativa foi levada a cabo, na Rússia, sob a ditadura fortemente centralizada de um partido, os social-democratas maximalistas. Uma tentativa similar foi a conspiração de Babeuf, extremamente centralista e jacobina. Devo confessar francamente que, na minha opinião, querer edificar uma república comunista sobre um Estado fortemente centralizado e sob a lei de ferro da ditadura de um partido está conduzindo a um fiasco. Na Rússia estamos aprendendo como não se deve implantar o comunismo, embora a população esteja cansada do antigo regime e não oponha nenhuma resistência aos novos governantes. A ideia dos sovietes, isto é, dos conselhos de operários e camponeses, preconizada primeiro na tentativa revolucionária de 1905 e levada à prática pela revolução de fevereiro de 1917, assim que o czarismo foi derrubado, a ideia de conselhos desta classe controlando a vida política e econômica do país é uma grande ideia. Mais ainda quando ela leva necessariamente a ideia de que estes conselhos devem estar compostos por todos aqueles que têm uma autêntica parte ativa na produção da riqueza nacional com seu esforço pessoal.

Mas quando um país está governado pela ditadura de um partido, os conselhos de operários e camponeses evidentemente perdem todo o seu significado. Ficam reduzidos ao papel passivo representado antigamente pelos “Estados Gerais” ou parlamentos, quando eram convocados pelo rei e tinham que se confrontar a um conselho real onipotente.

Um comitê de trabalho deixa de aconselhar livre e seriamente quando não há liberdade de imprensa no país, e aqui nos achamos nesta situação há cerca de dois anos, sob o pretexto de que estamos em estado de guerra. Mais ainda: os conselhos de operários e camponeses perdem todo o significado quando as eleições não vão precedidas de uma campanha eleitoral livre e quando são feitas sob a pressão da ditadura de um partido. Naturalmente, a desculpa habitual é que um regime ditatorial é inevitável como meio de combater a antiga sociedade. Mas semelhante regime se converte em um atraso quando a revolução entra na fase de construção de uma sociedade nova sobre uma base econômica diferente. Converte-se numa condenação à morte da nova construção.

As maneiras de derrubar um governo já em crise são bem conhecidas pela história antiga e moderna. Mas quando se faz necessário criar novas formas de vida, especialmente novas formas de produção e troca, sem ter exemplos para imitar, quando tudo deve ser improvisado no momento, quando um governo que pretende proporcionar a cada habitante cada vidro de lampião e além disso os pavios se mostra incapaz de fazê-lo com seus funcionários, por ilimitado que seja o número destes, este governo torna-se prejudicial. Desenvolve uma burocracia tão formidável que o sistema burocrático francês, que exige a intervenção de quarenta funcionários para vender uma árvore derrubada por uma tormenta numa estrada nacional, parece uma bagatela a seu lado. Isto é o que estamos vendo hoje na Rússia. E é o que vocês, trabalhadores do Ocidente, podem e devem evitar por todos os meios, já que lhes interessa vivamente o êxito de uma reconstrução social. Enviem aqui seus delegados para ver como funciona uma revolução social na realidade.

O imenso trabalho construtivo que exige uma revolução social não pode ser realizado por um governo central, inclusive se tem como guia algo mais substantivo que alguns manuais socialistas e anarquistas. Tem necessidade de conhecimentos, de cérebros, da colaboração voluntária de uma multidão de forças locais e especializadas, as únicas que podem enfrentar com êxito o leque de problemas econômicos em seus aspectos locais. Rechaçar esta colaboração e limitar-se à genialidade dos ditadores do partido é destruir os núcleos de vida independentes, tais como os sindicatos e as organizações cooperativas locais, convertendo-os em órgãos burocráticos do partido, como ocorre hoje. É a maneira de não levar a termo uma revolução, de torná-la impossível. E por esta razão considero que meu dever é pô-los em guarda contra a imitação de tais diretrizes. Os conquistadores imperialistas de todas as nacionalidades podem desejar que as populações do antigo império russo continuem a maior quantidade de tempo possível em condições econômicas miseráveis e se vejam condenadas a prover a Europa Ocidental e Central de matérias-primas, enquanto que os industriais ocidentais registram todos os benefícios que os russos poderiam, em outro caso, obter de seu trabalho. Mas a classe operária da Europa e da América, assim como os centros intelectuais desses países, compreendem, sem dúvida, que só a violência manterá a Rússia nesta situação. Ao mesmo tempo, as simpatias que nossa revolução despertou em todas as partes da Europa e da América demonstram sua felicidade ao saudar na Rússia um novo membro da confraria internacional das nações. E logo vocês se darão conta de que interessa a todos os trabalhadores do mundo que a Rússia saia o quanto antes possível das condições que atualmente paralisam seu desenvolvimento.

Algumas palavras mais. A última guerra inaugurou novas condições de vida para o mundo civilizado. O socialismo indubitavelmente fará progressos consideráveis e se criarão novas formas de vida mais independentes, baseadas nas liberdades locais e na iniciativa criadora; surgirão, seja de forma pacífica, seja por meios revolucionários, se os partidos inteligentes das nações civilizadas não colaborarem nesta reconstrução inevitável.

Mas o êxito desta reconstrução dependerá, em grande medida, da possibilidade das diferentes nações colaborarem estreitamente. Para atingir este objetivo, é preciso que a classe operária de todas as nações esteja solidamente unida e que ressurja a ideia de uma grande internacional de todos os trabalhadores do mundo; não uma união dirigida por um único partido, como ocorreu na Segunda Internacional e volta a acontecer com a Terceira; semelhantes uniões sem dúvida têm motivos para existir, mas, além delas, e unindo-as todas, deve haver uma união de todos os sindicatos do mundo, de todos os que produzem as riquezas do mundo, federados para libertar a produção mundial da atual escravidão do capital.

Dimitrov, 10 de junho de 1920

Piotr Kropotkin

Outros artigos em: Kropotkin e a Revolução Russa